domingo, 1 de setembro de 2013

Sabrina 54 - Jessica Mathews - Uma proposta de amor



Jessica Mathews
Uma proposta de amor


Título: Uma proposta de amor
Autor: Jessica Matthews
Título original: Babies on her mind
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 2000
Publicação original: 1999
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização: Nina
Revisão: Bruna
Estado da Obra: Corrigida

Uma noite perdida no tempo...

Emily Chandler sabia que a noite de amor que vivera com Willian Patton fora um erro. Afinal, o que ela queria era amor, casamento e... bebês. Emily, porém, sabia que não era a mulher certa para aquele homem!
Willian tinha de convencer Emily de que eles precisavam se casar. Pelo bem da criança que iria nascer. Mas ao ficar tão próximo de Emily, não tinha mais certeza se era mesmo por causa do bebê que queria se casar com ela!


PRÓLOGO

Emily Ann Chandler caminhava por um dos corredores do Crossbow Country Club à pro­cura de um lugar calmo. A idéia inovadora do comitê do baile, providenciando uma orquestra de ritmos mais agita­dos, provara ser um sucesso. O pessoal do hospital e seus convidados preenchiam todos os espaços do salão de festas, e o nível de ruído estava ficando quase insuportável.
Ela pensara que sentiria frio com seu vestido de noite verde-escuro, mas o grande número de pessoas presentes fizera a temperatura subir, obrigando-a a descartar até mes­mo a echarpe que cobria seus ombros nus.
Para piorar as coisas, seu traje era muito justo, com ape­nas uma fenda logo abaixo dos joelhos, o que tornava difícil para ela caminhar. Andar com passos minúsculos como os de uma gueixa era muito mais complicado do que Emily pudera imaginara.
Para sua felicidade, descobriu um salão vazio numa das extremidades do prédio. Para completar a paz do ambiente, o local era decorado com poltronas no estilo vitoriano, dis­postas em pequenos grupos para facilitar conversas íntimas.
Acabou escolhendo uma cadeira a um dos cantos, de cos­tas para a entrada, e acomodou-se, tirando os sapatos pretos logo em seguida e deixando escapar um suspiro de alívio.
Cercada pela penumbra, o sorriso que mantivera por toda a noite desapareceu. Fingir estar se divertindo enquanto sua mente trabalhava sem parar para tentar resolver seus problemas pessoais exigia muito mais energia do que podia aguentar. Nos últimos tempos, passara a sentir medo de que suas preocupações acabassem sendo notadas por seus amigos e colegas.
O contato de seus pés descalços com o carpete lhe dava uma sensação de conforto. Poucos segundos depois, a exaus­tão a fez adormecer.
Seu sono foi interrompido quinze minutos depois, ao ser acordada por duas vozes que conversavam na escuridão, sem notar sua presença.
Emily virou-se de maneira discreta e bem lenta, obser­vando a jovem loira alta e linda que estava parada ao lado do dr. Willian Patton do outro lado do salão. O caríssimo vestido cor de pêssego que usava contrastava com o negro do smoking dele, assim como suas feições delicadas das li­nhas duras e másculas do médico. A combinação daqueles contrastes todos fazia dos dois um bonito casal.
Emily sentiu uma ponta de inveja. Enquanto decidia se devia ou não sair daquele local, as palavras da mulher ecoa­ram pelo salão, e ela não pôde evitar ouvir a conversa. Mesmo assim, prendeu a respiração, permanecendo hirta em seu assento, e desejou permanecer invisível enquanto a moça falava com clareza:
  Não posso me casar com você, Willian.
  Como assim?
  Pensei que podia, mas me enganei.
  O que quer dizer com "pensei que podia"?
  Apenas isso.
  Quero o motivo.
  Por favor, não me faça dizer isso.
  Vamos lá, Celine. Quero saber por que voltou atrás. Emily não estava surpresa pelo nome glamouroso, que se encaixava à aparência exuberante da jovem. Sempre con­siderara sua própria imagem bastante comum, como o pró­prio nome. Talvez devesse mudar o corte de cabelos na pró­xima visita ao salão de Pearl. E, se tivesse mais dinheiro, talvez fazer até uma pequena cirurgia plástica no nariz.
Pessoas como Celine sempre tinham narizes arrebitados, o que tornava mais fácil fitar as pessoas de cima.
Não mudei de idéia, Willian. Quando você me fez a proposta, pedi algum tempo para ponderar, e foi o que fiz. E minha resposta é "não".
Entendo...
Você é estruturado demais. Vive sua vida como se fosse governada por um relógio.
Estou espantado por saber que pensa assim.
Naquele momento, os dois se puseram atrás de uma coluna do outro lado do salão, onde Emily não podia vê-los.
Sou obstetra, Celine. Por isso, meu dia quase nunca corre de acordo com meus planos.
Não estou me referindo a suas atividades cotidianas. Falo da forma como você tem toda sua existência organizada. Objetivos para daqui a um, dois, cinco anos... como se qui­sesse antecipar todos os detalhes. Não há nenhum espaço para a espontaneidade.
Então é isso o que quer? Coisas imprevisíveis?
Emily meneou a cabeça, exasperada. Depois dos venda­vais que experimentara nos últimos tempos, abraçaria uma situação estável com ambas as mãos, se tivesse chance.
Não faça essa palavra soar como se fosse suja, Will. Você planeja seu futuro e constrói estratégias para tudo. Entretanto, quase nada funciona assim. Algum dia, quando seus planos falharem e tiver de se deparar com o inesperado, tenho certeza de que não saberá como lidar com aquilo.
Aquela moça não o conhecia muito bem, Emily concluiu. Jamais encontrara um médico mais calmo para encarar uma emergência.
Muito obrigado — ele agradeceu, seco. — Sua confiança em mim me envaidece.
Sei que trabalhou duro por tudo o que conseguiu na vida, Will, e que não vai parar até tornar cada meta sua uma realidade. Sua determinação foi parte do que me atraiu em você... No entanto, sinto-me apenas como uma peça bo­nitinha que escolheu para seu caminho até o topo. Um tro­féu, por assim dizer.
Agora está se subestimando.
A voz dela suavizou-se:
— Precisa de alguém que o ajude em sua trajetória, mas, para ser honesta, não desejaria me ligar a alguém que me quer apenas porque tenho um bom nível social ou porque sou filha de um senador. Desejo alguém que me queira porque sou Celine Meyeres.
Willian não respondeu.
Olhe para si mesmo, Will, e entenda que um casamento entre nós seria um erro imperdoável. Não está nem mesmo irritado com minha recusa.
Preferiria que eu estivesse arrancando os cabelos?
Seja honesto. Você gosta de manter tudo sob controle, e isso o impede de compartilhar até mesmo a menor parte de si mesmo. Eu, por outro lado, sou egoísta o bastante para querer uma pessoa de corpo e alma, por inteiro.
Seguiu-se uma pausa tensa.
Nosso enlace seria apenas uma forma para que atin­gisse seu objetivo, Will. Um contrato para lhe dar o que você necessita no estágio em que se encontra.
Se é assim que pensa...

Se fosse franco, admitiria que apenas me fez essa proposta porque o grupo de obstetras prefere ter entre eles um homem casado e o dr. Moore lhe propôs sociedade.
Isso não é verdade.
Oh, Will! Sei que se importa comigo, e também me importo com você. Mas isso não é amor. Seria muito pouco nos contentarmos com uma emoção tão pequena. Não es­colha uma esposa baseado em suas idéias preconcebidas. Deixe seu coração falar. Está agora com trinta anos. Sem dúvida vai encontrar uma garota adequada.
Achei que tivesse encontrado.
Emily imaginou ver um pequeno sorriso de prazer surgir nos lábios de Celine.
— Nós tivemos bons momentos, Will. Não me arrependo deles. Desejo-lhe tudo de bom, pois você merece isso. Adeus.
Sem se dar conta, Emily apertou os braços da poltrona com força, até os nós de seus dedos ficarem esbranquiçados.
Parte dela queria sair correndo dali e dizer a Celine que estava fazendo um julgamento equivocado. Contudo, o bom senso lhe pedia para ter cautela. Afinal, aquele não era assunto seu.
Além do mais, o dr. Patton era um tipo forte e discreto, e na certa não iria gostar de sua interferência, por mais bem-intencionada que fosse.
Emily esperou por vários minutos, atenta a qualquer sinal da presença de outra pessoa no salão. Não ouvindo nada, enfim levantou-se depois de calçar os sapatos e começou a caminhar em direção à porta. Poucos passos depois, estacou. Viu o dr. Patton sentado numa cadeira de espaldar alto, com uma expressão circunspecta e até mesmo vulnerável.
— Ah, desculpe-me! — Hesitante, encarou o olhar surpreso do médico. — Eu... bem... não quis ouvir, mas estava lá no canto quando você e sua... companheira chegaram. Tentei não escutar o que diziam.
O ceticismo dele era aparente.
— Sinto muito, não foi minha culpa. E, se isso lhe serve de consolo, sei como está se sentindo.
Willian fitou-a por um longo momento.
  É mesmo?
  Sim. Desmanchei meu namoro há algumas semanas.
  Nesse caso, diria que você deve entender melhor o que Celine está sentindo do que o que eu estou sentindo.
As feições dela endureceram diante do sarcasmo daquele comentário.
— Na verdade, foi ele quem me deixou.
A descrença de Patton era óbvia, e Emily sentiu-se obrigada a explicar. Acomodou-se ao lado dele e cruzou as pernas. Po­rém, de súbito percebeu que a fenda de seu traje proporcionava uma visão provocante, revelando grande parte de suas coxas, e decidiu colocar de novo os dois pés no chão.
  Nós ainda estaríamos juntos se meu namorado não tivesse me dado um ultimato. Eu deveria escolher entre ele e minha família.
  E vejo que sua família venceu.
Não era um concurso. — Ofendida pelo comentário, Emily levantou-se. — Mas não se incomode. E uma longa história, e você não iria se interessar.
Para ser franco, ainda estou tentando entender como você poderia saber o que me vai no íntimo.
Meu irmão teve problemas disciplinares na escola desde o começo do último período letivo, no outono. — Voltou a sentar-se. — Nada muito sério, mas meu tio começou, de uma hora para outra, a interessar-se muito pela conduta de Kevin.
Emily fez uma pausa, e então ergueu a cabeça para en­carar Willian.
— Tio Bert vive em Dallas, e está tentando entrar para a política local com uma plataforma que diz: "Vamos cuidar dos criminosos juvenis". Titio acredita que, cuidando de Kevin, vai fortalecer a própria imagem diante do eleitorado. Crê que meu irmão precisa da mão firme de um homem, e por isso pretende requisitar a guarda de Kevin na Justiça.
Ela deixou escapar um suspiro profundo.
Meu advogado acha que vovó e eu teríamos uma chance melhor de lidar com a situação se eu fosse casada. Estive saindo com Don por mais de um ano, por isso ele era a escolha lógica.
Mas o rapaz não concordou com seus planos.
Temo que não. Você pediu mesmo Celine em casamento porque o dr. Moore lhe ofereceu sociedade?
  Sempre faz perguntas tão pessoais assim? Emily endireitou-se.
  Apenas se for algo que preciso saber.
  Tem certeza de que não se trata de simples curiosi­dade? Talvez até... bisbilhotice.
  Não é nada disso. É importante. Apenas não posso explicar por quê. Pelo menos não ainda.
  Bem, ser casado não é uma condição indispensável para se tornar sócio. Conheci Celine há mais de um ano, e me parecia o tempo certo para fazer a proposta.
  Entendo.
Contudo, Patton não precisava de uma esposa tanto quan­to ela de um marido.
Os olhos dele estreitaram-se.
— Aí está sua resposta. Agora é minha vez. Por que queria saber isso?
Emily deu de ombros, como se considerasse aquela con­versa insignificante.
  Porque pensei que, se o comentário de Celine fosse verdadeiro, poderíamos nos ajudar um ao outro.
  É mesmo?
Para dissimular sua exasperação, Emily continuou, no tom mais casual que pôde encontrar:
— Não consideraria a hipótese de casar-se comigo, não é?
Emily jamais esqueceria a expressão surpresa no sem­blante de Willian, nem em cem anos. Os olhos negros encheram-se de pânico, como se ele não soubesse como lidar com aquela oferta inusitada.
Sabendo que não poderia suportar a rejeição polida dele, Emily antecipou-se, erguendo-se.
— Olhe, doutor, você perguntou e eu respondi. Esqueça o que lhe disse. Foi algo impróprio, e peço perdão por colocá-lo nessa posição.
Desejando escapar, Emily deu-lhe as costas e dirigiu-se para a saída. Dois passos mais, no entanto, e a mão firme de Willian em seu ombro a fez estacar.
— Não é porque não acredito que você poderia ser uma esposa maravilhosa. Não tenho dúvida de que seria. É que... — Willian não terminou a sentença, observando a confusão dela, como se procurasse pela frase certa.
Emily não queria demonstrar o quanto estava ferida por dentro.
  Eu sei. — Esforçou-se para sorrir. — Ouvi os comen­tários de Celine. Você quer alguém igual a ela, que é filha de um senador. Alguém com projeção, que possa ajudá-lo a chegar ao topo.
  Quando diz isso, faz com que me pareça uma pessoa sem escrúpulos nem coração.
  Estou apenas parafraseando Celine. Mas se quer al­guém que seja toda seda e cetim, lhe garanto: pode procurar em outro lugar.
O que pretende fazer?
Enfrentar o blefe de meu tio. Seja como for, não se preo­cupe, posso cuidar de tudo. — Desejando sumir dali antes de perder a compostura, Emily emendou: — Agora, se me permite, tenho de encontrar minhas amigas antes que elas achem que fui raptada. Além disso, prometi uma dança a alguém.
Emily virou-se, mas não antes de olhar de relance para Willian. Ponderou se seria correto deixá-lo ali sozinho, e a compaixão a impulsionou a convidar:
— Quer se juntar a nós?
Willian fez menção de recusar, porém assentiu:
Claro. Por que não?
Ótimo.
Estendendo o braço e tocando-a nas costas nuas, o dr. Patton conduziu-a adiante. Até aquele momento, Emily não percebera quão alto ele era. Devia ter quase vinte centíme­tros a mais que ela. O vestido justo agora parecia expô-la demais, revelando detalhes de sua figura muito feminina.
Juntaram-se ao grupo e ficaram alguns minutos à mesa, mas logo depois já estavam dançando no meio do salão.
Emily encontrava-se tão perdida em conjecturas que nem mesmo notou a presença de Don, parado à entrada. Emily, aliás, só o percebeu quando a dança chegou ao fim, e os casais começaram a retornar a seus lugares.
Don também usava smoking, como os demais convidados, mas seus cabelos se mostravam em desalinho, e a gravata, fora do lugar. Quando o ex-namorado se aproximou, Emily concluiu que o odor de álcool que emanava de seus lábios tinha muito a ver com seu jeito beligerante.
Bem, olhe só! Não é uma bela visão? — Don colocou-se no caminho deles.
Você está bêbado. — Emily tentou passar a seu lado, mas ele segurou-a pelo pulso com muita força.
Se estivesse, não seria por ver o que está fazendo. — Don encarou Willian, antes de continuar: — Suponho que a moça já lhe contou sua história triste.
Solte-a — Willian ordenou. — Nós estamos indo embora.
Don suspirou, com desprezo.
— Indo embora para onde? Ou eu deveria indagar: para fazer o quê? Se estiver com alguma idéia em mente, é melhor levá-la para sua casa, porque não pode ir até a dela. Emily jamais ofenderia sua avó ou o garoto, sabe como é...
Livrando-se dele, Emily deixou escapar um suspiro.
— Vá embora, Don.
O homem ignorou-a, continuando a dirigir-se a Willian.
— De qualquer forma, foi avisado, rapaz. Essa garota é problemática. Não vai chegar muito longe, a não ser que coloque um anel em seu belo dedinho. A srta. Certinha jamais agirá como uma mulher de carne e osso. Não, não senhor. Emily sempre parece observar o mundo de um pedestal muito alto, bem acima do resto de nós, reles mortais.
Don respirou fundo.
— Como já disse a ela, vai ser difícil encontrar um sujeito que se responsabilize por toda aquela gente. Ninguém em seu juízo perfeito poderia fazer isso. E esse é meu caso.
Verdade? — Willian provocou-o. — Posso ver... Don se virou para Emily.
Venha cá, boneca. Quero lhe dar um beijo de despedida. Por um instante, Don hesitou, como se fosse deixá-la passar.
Contudo, acabou se inclinando para a frente e estendeu a mão, como se desejasse pegá-la pelo pescoço. Mas a reação defensiva de Emily fez com que atingisse apenas a alça de seu vestido.
Num gesto brusco e violento, os dedos dele arrancaram a alça, e a parte da frente do traje desabou.
Segurando o fino tecido diante dos seios para evitar uma humilhação total, Emily desejou por um segundo que o chão se abrisse sob seus pés antes que morresse de embaraço. Ao erguer a cabeça, notou, surpresa, que o maxilar de Wil­lian parecia tenso, e ordenou-lhe:
— Fique para trás, Emily.
Don gingava de um lado para o outro, como um lutador de boxe num ringue.
— Quer dizer que o sr. Fala Mansa vai lutar comigo por sua honra, Emily? — Chegou mais perto de Willian. — Vamos ver se conseguirá impressionar a garota, bonitão.
Antes que Emily pudesse se mover, o punho de Willian atingiu a face de Don com força suficiente para atirá-lo longe. O ex-noivo inconveniente apoiou-se nos cotovelos um instante depois, e tocou o lábio inferior, olhando em seguida para a ponta dos dedos, que estavam manchadas.
  Estou sangrando! — Don massageou a mandíbula. — Você deixou meu dente solto!
  Considere-se com sorte por ser apenas um. — Willian tirou o paletó.
— Não vai sair daqui desse jeito! — Don advertiu-o.
Emily arrepiou-se quando Willian cobriu sua pele nua.
Como se fosse uma criança, ele a tomou nos braços num gesto muito protetor. O calor e o aroma que desprendiam-se daquele corpo másculo fizeram-na perceber o quão fria estava, tanto por dentro como por fora. E a constatação a fez tremer.
Vamos, Emily. — O doutor conduziu-a para que pas­sasse ao lado de Don, que continuava estendido no piso.
Sinto muito...
Fique calma. Foi ele quem pediu. Além disso, não foi culpada de nada. Não é uma vergonha ver um homem adulto agindo dessa forma?
Vai viver para se arrepender disso, ouviu? — Don gritou, numa bravata.
Willian ignorou-o e continuou a conduzir Emily, como se estivesse muito tranquilo.
Assim que chegaram à casa de Willian, ele ofereceu a Emily seu roupão de banho.
Encontravam-se à mesa da cozinha, onde ela costurava seu vestido de seda. A caneca do café que Willian preparara estava a sua frente, com o líquido escuro fumegando.
Segurando sua própria caneca, Willian parecia perdido em pensamentos. A recusa de Celine não fora uma surpresa completa. Mesmo assim, desapontara-se.
O julgamento que ela fizera sobre sua personalidade tinha algo de correto, precisava admitir, mas fazer planos e man­ter a própria vida sob controle eram coisas das quais não queria abrir mão.
Fitando Emily de relance, notou que suas mãos estavam paradas.
  Eu não tive culpa, Willian.
  É evidente que não.
  E não costumo me colocar num pedestal, acima das outras pessoas.
  Você não tem de me explicar nada. Seu ex-namorado estava bêbado, e não costumo levar comentários de pessoas assim em consideração.
  Mas quero me explicar. Eu preciso.
Willian se calou, compreendendo os sentimentos dela.
  Não sou uma esnobe. Apenas muito seletiva.  – Willian sorveu um gole de seu café.
  Essa é uma boa política nos dias de hoje.
É o que penso também. — Uma lágrima escorreu por sua face. — Então por que me sinto tão mal?
Decerto porque dói quando alguém que julgamos que nos ama se vira contra nós.
Ela mordiscou o lábio.
É assim com você? Quero dizer... em relação a Celine?
Sim. Acho...
Willian a amara, embora não da maneira arrebatada e ardente que Celine desejara. Sua existência era governada pela lógica, e não pelas emoções. Celine queria o oposto, e era esperta o bastante para saber que não poderia mudar os hábitos adquiridos por um homem na idade dele.
— Tenho uma estranha urgência de provar a Don que ele estava errado. Será que é uma loucura?
A mesma idéia passara pela mente de Willian. Uma ânsia, uma necessidade quase incontrolável de jogar por terra o jul­gamento que Celine fizera dele. Claro que admitia ter uma tendência para planejar o futuro. Mas quanto a ser acusado de falta de espontaneidade, era um pouco de exagero.
O entrevero com Don era um belo exemplo. Willian gos­taria que Celine tivesse visto todo o episódio. Deixando es­capar um suspiro, encolheu os ombros.
— Parece razoável, para mim.
Emily observou a roupa que tinha no colo, e então colocou a delicada peça sobre o tampo, erguendo-se. Sua voz era pouco mais que um sussurro:
— Você me ajudaria?
Willian congelou, incapaz de acreditar naquele convite.
  De que maneira?
  Provando que sou uma pessoa de carne e osso. Nos últimos dez anos, em todas as decisões que tomei, sempre levei em consideração como algo poderia afetar minha fa­mília. Quero agir pelo menos uma vez por impulso.
Emily soltou a faixa do robe, que abriu-se, revelando cur­vas deliciosas e uma pele bronzeada.
— Por favor...
Willian engoliu em seco. A lógica o mandava recusar, mas as acusações de Celine ainda ecoavam em sua memória.
A excitação começou a aumentar. Inclinando-se para a frente, Emily ficou a poucos centímetros. A eletricidade pa­recia preencher o ar entre os dois.
  Quero momentos de que possa me lembrar.
  Você não tem de fazer isso, Emily.
Os magnéticos olhos castanhos fixaram-se nos dele.
— Sim, eu tenho. Tudo o que peço é uma noite. Nada de compromisso. Amanhã poderemos voltar a nosso relacionamento profissional e esquecer tudo o que houve.
Vendo-a ali, parada, suave e doce, Willian duvidava que conseguisse esquecer qualquer detalhe.
  Por que eu?
  Porque me sinto segura com você, Will.
Uma onda incontrolável de desejo tomou conta de Willian, que estendeu o braço e tocou-a no rosto. Da pele rosada de Emily desprendia-se um aroma de rosas, muito gostoso.
— Tem certeza? — ele perguntou.
Percebendo que sua própria necessidade de conforto era tão grande quanto a dela, Willian concluiu que, se quisesse agir com sensatez, deveria voltar atrás, levando-a para casa. Porém, jamais fora um perfeito santo.
Emily suspirou, recostando-se contra ele. O roupão abriu-se por completo, ao mesmo tempo que os braços dela enro­dilharam o pescoço de Willian.
— Mais do que nunca...

CAPÍTULO I

Dois meses e meio depois.

Encontre-me para o jantar às seis da tarde.
A familiar voz de Willian Patton surgiu do nada, apa­nhando Emily Chandler de surpresa.
Um instante depois, um senso de fatalismo tomou conta dela. Devia esperar por aquela conversa. Afinal de contas, aquilo sempre acontecia quando ele aparecia em seu plantão.
Com gestos calmos, acabou de fechar seu bloco de ano­tações, colocando-o junto com os registros médicos no esca­ninho atrás de si.
  Não, obrigada, doutor — ela disse, fingindo casuali­dade, para camuflar as sensações incômodas que a atenção daquele homem produzia nela.
  Por que não? — Willian inclinou-se para a frente de maneira desafiadora.
  Estou ocupada.
Emily ergueu a cabeça, encarando mais uma vez aqueles olhos pretos e misteriosos. O belo rosto másculo parecia expressar um certo tipo de exasperação. Mesmo assim, a entonação permaneceu sob controle.
— Amanhã à noite, então.
Emily inclinou-se para trás, rezando para que sua ex­pressão conseguisse esconder o efeito que aquele olhar penetrante produzia em seu corpo. Sabia muito bem que estava diante de um homem observador, a quem nenhum detalhe passava despercebido. Sua melhor e única defesa era agir como se não se incomodasse com o interesse dele.
Notando a passagem de dois enfermeiros no corredor ao lado, lembrou-o:
— Concordamos em manter nosso relacionamento no campo estritamente profissional. Somos médico e enfermeira, nada mais.
Considerando o assunto encerrado, Emily estendeu o bra­ço para apanhar outro bloco de notas, mas foi impedida pela mão forte e enorme do doutor.
— Acordos podem ser renegociados.
O físico atlético estava tão próximo que Emily pôde sentir até mesmo o cheiro da colônia após a barba.
 Claro que sim, mas apenas se ambas as partes con­cordarem com isso.
 Vamos lá, Emily. Que mal um simples jantar poderia causar? Faço isso com meus colegas o tempo todo.
A oferta dele era tentadora, mas Emily sabia que até mesmo a circunstância mais inócua poderia se complicar com facili­dade. Sua reação foi encará-lo com um sorriso de desculpas.
— Agradeço pelo convite, mas não posso encontrá-lo mais tarde. Nem esta noite, nem na de amanhã, nem em nenhuma outra.
Willian empertigou-se.
Não vou desistir, Emily.
Vai, sim.
Não vou.
Por que não?
Quer que eu entre em detalhes aqui, num lugar pú­blico? — Willian fingiu observar o ambiente por um instante. — De qualquer forma, se é isso o que quer, ficarei feliz em discutir nossos assuntos inacabados.
Não! — Suspirou.
Nas últimas três semanas, Willian vinha sendo tenaz, tentando a todo custo obter uma maior intimidade com Emily nos poucos minutos em que ficavam a sós no hospital. De certa forma, ela até sentia falta do tempo em que ambos não trocavam mais do que uma polida saudação.
Emily respirou fundo, resignada. Willian fora bastante claro. Não era o tipo de homem que gostava de deixar ques­tões para trás, e não iria desistir enquanto achasse que tinha algo a resolver com ela.
Encolhendo os ombros, Emily reagiu de maneira também muito persistente. Willian teria de esperar até que Emily cui­dasse dos problemas do irmão. Mesmo alguém tão forte quanto ela só podia cuidar de uma crise pessoal de cada vez.
Vou checar minha agenda para os próximos dias, dou­tor. Porém, não lhe prometo nada.
Isso é justo. Vejo-a amanhã. — Girando sobre os cal­canhares, o médico afastou-se, sem nem mesmo esperar por uma resposta.
Antes mesmo que o odor de desinfetante pudesse apagar o aroma de sua colônia, Molly O'Donnell, uma simpática en­fermeira ruiva da maternidade, juntou-se a Emily ao balcão.
   Por que apenas não diz ao pobre homem que sim? Emily encarou a amiga.
   O quê?
— Diga "sim". O doutor a está convidando para jantar há semanas. O mínimo que você pode fazer é aceitar para acabar com a frustração do infeliz.
O comentário da colega foi recebido com um sorriso con­descendente de Emily.
Patton pode sair com qualquer uma das outras enfermeiras.
Sim, claro. Mas não quer. Para falar a verdade, Willian Patton não deu sequer uma segunda olhada para nenhuma de nós desde que chegou a Crossbow, três meses atrás; com exceção de você. E pode acreditar que não foi por falta de esforço de todas nós, as boas e velhas garotas do Texas.
Tentem outra vez — Emily sugeriu. — Assim, talvez ele me deixe em paz.
Molly arqueou as sobrancelhas, confusa.
Mas por quê, Emi? Você é uma mulher livre. Rompeu com Don Springer antes do Natal. Não precisa se comportar como se estivesse guardando luto. Se o dr. Patton está in­teressado, por que vai dispensar todo aquele apelo sexual?
Não estou interessada em outro relacionamento, casual ou não.
Céus, Emi, o doutor apenas quer levá-la para jantar! E, se posso ser franca, vocês dois formam um casal muito bonito.
As aparências podem enganar, Molly. De qualquer forma, não sou a garota que ele procura.
Como pode saber? Jamais troca mais do que duas frases com Willian, a não ser que digam respeito a um dos pacientes.
Eu sei, apenas isso. E, até que consiga resolver todos os problemas relacionados a meu irmão, não quero mais nenhuma complicação.
Ao dizer aquilo, Emily retornou ao serviço de organizar as fichas dos pacientes, considerando o assunto encerrado. Não tinha a intenção de justificar de nenhuma forma a decisão que tomara. Seus motivos eram pessoais e íntimos demais para serem compartilhados com outras pessoas.
Ainda não posso compreender por que um encontro com um homem como Willian Patton pode ser considerado uma complicação.
 Mas é — Emily assegurou, com desdém. — Pode acre­ditar no que digo.
Molly meneou a cabeça.
— Levando em consideração o quanto ele é bonito, uma noite com aquele médico pode fazer muito bem para a vida de uma moça. Ouvi rumores de que era um verdadeiro furacão quando mais jovem...
Emily foi surpreendida por aquela informação.
Não me parece um agora.
Não, Emi. Mas talvez esteja apenas ocultando toda aquela energia, esperando pela hora e o lugar certos. Se for assim, imagine o que pode acontecer quando tanta paixão for liberada...
Molly revirou os olhos, mas sua frase não obteve o efeito que a enfermeira desejava.
— Ajudar Kevin com sua lição de casa é toda a excitação que quero neste instante. — Emily resolveu mudar de assunto: — Vai correr hoje à noite? — Cruzou os dedos, esperando que Molly desse uma resposta negativa.
O programa de exercícios das duas, que tinha por intenção revigorá-las, estava falhando miseravelmente. De qualquer forma, pelo menos um benefício havia: Emily vinha conse­guindo dormir no exato instante em que pousava a cabeça no travesseiro.
Sim, Emi. Quer ir depois do trabalho?
Não, tenho uma consulta hoje.
Já era hora de seguir meu conselho. Sua aparência não tem me parecido muito boa.
Excesso de trabalho e estresse podem fazer isso com uma pessoa. — Embora Emily desprezasse a fadiga constante que vinha sentindo, esperava que aquilo não fosse o sintoma de algo mais sinistro. — Eu lhe contarei tudo amanhã.
De qualquer forma, a frieza de Emily já não era a mesma algumas horas mais tarde, ao aguardar o resultado do exame de laboratório que o dr. Ferguson prescrevera. Tivera a op­ção de ir para casa e esperar por uma ligação, mas em vez disso preferira permanecer na sala de espera do doutor:
O que, claro, fora uma decisão errada.
Nesse momento, tão impaciente quanto nervosa, esfre­gava as palmas úmidas em sua calça jeans. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, a porta se abriu sem aviso, fazendo-a girar a cabeça e endireitar a coluna, preparando-se para a pior das notícias.
— Acredito que já temos o resultado, Emily — Emmett Ferguson anunciou ao entrarem no consultório, numa voz tão simpática quanto sua aparência.
Emmett era alto, tinha cinquenta e cinco anos e cabelos grisalhos, e usava os óculos finos bem na ponta do nariz. Emily conteve um sorriso.
— Isso é bom.
O semblante do médico a confortou. Decerto ninguém trazia notícias ruins com um sorriso como aquele.
Emmett sentou-se, colocando na mesa um envelope diante de si, antes de encará-la.
— Você, minha cara, terá de tomar algumas decisões. A primeira de todas vai ser escolher outro médico, porque não poderei tratá-la.
De súbito, uma onda de medo acometeu-a.
O senhor não vai poder?
Sinto muito, não tenho praticado obstetrícia nos últi­mos cinco anos.
Obstetrícia? Sobre o que está falando, doutor?
Você está grávida. Veja por si mesma. — Ao dizer isso, Emmett lhe entregou uma folha de papel.
Olhando para o próprio nome no alto da página, Emily sentiu-se incapaz de acreditar no que acabara de ouvir.
Tem certeza de que isso não é um engano?
Não há nenhuma chance, Emily. O relatório confirma minhas suspeitas. — Por trás de suas lentes, o dr. Ferguson observou-a com atenção. — E estar esperando um bebê não é o fim do mundo. Sabe muito bem que poderia ser algo muito pior.
Sei, claro. E que isso é tão... chocante...
Emily sempre acreditara que um marido devia vir antes dos filhos. Claro que fizera muitas coisas impetuosas na vida, mas aquilo...
O dr. Ferguson segurou-lhe a mão. Embora não mencio­nasse o fato de ela ser solteira, Emily sabia que era nisso que o médico pensava.
— Tinha me preparado para ouvir algo sobre uma infecção, por exemplo. Porém, nunca um resultado positivo num teste de gravidez.
Emmett ajeitou-se na cadeira.
Seu diagnóstico é bem melhor, Emily. De qualquer forma, estou surpreso que não tenha percebido por si mes­ma. Depois de trabalhar tanto tempo na área de obstetrícia, deveria conhecer os sinais.
Habituei-me a tratar das mulheres no final do período de gestação, não no começo, doutor. Entretanto, andei tão ocupada nas últimas semanas que cheguei a achar que meu can­saço e perda de apetite estavam relacionados à exaustão.
— Acho que é compreensível. Mas como pode ver pelo restante dos testes e contagem de leucócitos, está tudo normal. Bem, sua hemoglobina me parece um pouco baixa, contudo um suplemento mineral vai resolver. Nesse meio tempo, precisará mudar seu comportamento para que essa gestação corra bem.
Ela assentiu.
— Além disso, Emily, eu recomendaria que discutisse o assunto com o pai da criança. Como sabe, ele é uma parte importante desse triângulo.
"Triângulo" era a palavra que melhor descrevia aquela situação. Mesmo que vivesse cem anos, Emily jamais es­queceria a noite daquele baile de Natal. No fundo de sua memória, a imagem do pai da criança em seu smoking, cercado de pessoas elegantes, ainda era muito nítida.
Seu filho poderia crescer e se tornar uma cópia daquele homem.
Independente da decisão do pai, terei esta criança.
Muito bem. Calculo que esteja grávida há dez semanas. Por isso, o nenê deve nascer em setembro. Seu obstetra poderá lhe dar uma data mais específica depois de examiná-la.
Ao imaginar as mudanças que aquela nova situação pro­vocaria em seu futuro, Emily teve de massagear as têmporas.
— O que nos traz ao próximo ponto de discussão, Emily. Recomendo que veja o dr. Patton. Por ser mais ou menos novo na cidade, ele não tem muitos pacientes necessitando de sua atenção.
Emily ficou tensa. Aquela era uma complicação que não considerara.
Temo que essa não seja uma boa idéia, doutor. Nossas personalidades não se encaixam.
Willian pode ser um pouco rude, às vezes. Também parece levar a vida a sério demais, mas, pelo que tenho visto e ouvido, tenho certeza de que se trata de um excelente profissional. Posso assegurar que, se tiveram problemas no passado, foi apenas por causa da preocupação dele com seus pacientes. Confie em mim. Estará em boas mãos. Emily não discutiria aquilo.
Sei que o dr. Patton é um excelente médico, dr. Ferguson, mas o problema é outro. Ele é o pai de meu filho.

Como foi sua consulta? — Molly quis saber, quando as duas corriam juntas em seu exercício rotineiro.
Emily parou para amarrar os cadarços dos tênis ao mesmo tempo que olhava para uma vitrine decorada, logo adiante.
Vou ter de encontrar outro médico — disse, em tom casual. — O dr. Ferguson não vai mais poder cuidar de meu caso.
Oh, meu Deus! — Os olhos verdes de Molly se arre­galaram. — O que há de errado?
Emily sentiu-se culpada por preocupar a amiga. No re­flexo da vitrine, examinou sua aparência um tanto descui­dada, com a grande camiseta vermelha e o short simples de corrida. Por um instante, desejou ter pelo menos uma parte das curvas generosas do corpo perfeito da amiga.
Não é nada sério. Bem, é, mas não é. — Emily fez uma pausa constrangida. — Estou esperando um bebê.
Você o quê?
Estou grávida.
Oh, meu Deus! Quando... quem... Não me diga que é de Don!
Não é dele.
Pelo menos naquilo o destino lhe sorrira. Só de pensar em tê-lo como pai de seu filho sentia arrepios.
— Então de quem é, Emi? Sei que não saiu com ninguém nos últimos tempos. Na verdade, o único homem que demonstrou algum interesse por você foi... — Molly interrompeu-se e encarou-a, incrêdula, como se tivesse percebido as implicações do que acabara de ponderar. — Não me diga que teve um caso com...
— ...Willian Patton. Mas não foi um caso. Pelo menos eu não classificaria uma simples noite dessa forma.
Jesus, tenho de me sentar! — Molly dirigiu-se a um banco e sentou-se, sendo seguida de perto por Emily. — Não posso acreditar nisso. Você, a jovem convencional e bem-comportada, se entregando a uma aventura.
Não diga uma palavra. Não se atreva a fazer o que houve parecer uma coisa barata. Na verdade, tudo não pas­sou de uma experiência terapêutica que tive num período difícil para mim.
Sinto muito, Emi. Sei pelo que passou nos últimos dois meses. E que nunca esperei que pudesse fazer algo tão... tão...
Impetuoso?
Sim. Diga, quando tudo isso aconteceu?
Em dezessete de dezembro.
Emi, essa foi a noite...
...do baile de Natal.
Naquele instante, um casal passou abraçado pela trilha do parque, o que a fez lembrar-se do que sentira quando estivera nos braços de Willian.
— Meu Deus, Emi! Patton começou a trabalhar em Crossbow em outubro. Pode ser um grande profissional, mas ninguém o conhecia bem na época da festa.
Emily conteve um sorriso seco. Na verdade, continuava não conhecendo bem Willian Patton, mesmo depois de tudo aquilo.
O que deu em você?
Willian estava com seu carro e me ofereceu uma carona quando eu quis ir embora. — Emily brincava com o tecido da camiseta. — Ele foi muito gentil.
— E você retribuiu a gentileza dormindo com Patton.
— Claro que não! Nós não planejamos nada. Apenas aconteceu.
Molly sorriu com desdém.
E o que todos dizem. Seja como for, ainda não me convenceu de que Patton não se aproveitou de você. Deve se lembrar de que não estava em condições de pensar direito naquela ocasião
Minha nossa! Está me descrevendo como uma mulher à beira de um ataque de nervos!
Conheço pessoas mais fortes que não teriam suportado uma condição tão estressante, Emi. Não sei nem mesmo como eu reagiria se meu tio fizesse algo como o seu, tentando tornar uma situação ruim ainda pior.
Admito que estava tentando evitar uma desgastante batalha de custódia. Toda nossa família... vovó, Kevin, eu mesma, estávamos caminhando sobre gelo fino.
O que prova meu ponto de vista. Não estava racioci­nando com clareza, Emi. E, por outro lado, o dr. Patton deveria ser um pouco mais respeitoso.
Por favor, não seja dura com Willian. Tudo o que fizemos foi baseado em uma decisão mútua. Ele não tem do que se envergonhar.
— E ainda o defende?
— Willian também estava passando por um período complicado.
Molly cruzou as pernas e inclinou-se para trás, assumindo uma posição mais confortável.
— Tentarei não ser muito dura por enquanto, Emi. De qualquer forma, estou muito curiosa sobre como você conseguiu passar por tudo isso sem me dar a menor pista.
Emily respirou fundo.
— Vou lhe contar como foi. Tudo começou logo depois que me levantei de nossa mesa...
E Emily prosseguiu, sem esconder nada da querida amiga.

CAPÍTULO II

Mais tarde — Emily continuou, ainda lembrando da cena com muita nitidez —, Willian mandou alguém avisar você que eu estava indo embora. Lembra?
E, evidente, não levou-a direto para casa.
Não. Quando, por fim, o manobrista trouxe o carro dele, eu estava tremendo como vara verde. Willian, então, decidiu que iríamos até seu apartamento para que eu to­masse um pouco de café. E também para que pudesse me recompor e consertar o vestido. Não podia me arriscar a que vovó ou Kevin me vissem daquele jeito.
Mas não parou na xícara, certo?
Um sorriso desajeitado curvou os lábios de Emily.
Não me peça nenhum detalhe, por favor. — Aquelas reminiscências eram muito particulares para serem com­partilhadas, memórias que preferia lembrar nas ocasiões em que estava a sós.
E agora você está grávida.
Sim.
Emi, parece incrível, mas os problemas a seguem como as formigas ao açúcar.
Nem me diga... Porém, de alguma forma, sei que você está morrendo de vontade de me fazer uma pergunta, e a resposta é "sim": pretendo ter o bebê.
— Vai contar a Willian?
Emily suspirou.
Vou.
Antes ou depois de dar a notícia a sua avó?
Antes. Willian é o pai. Tem o direito de ouvir primeiro a novidade. — Sorriu. — Qualquer um que não seja você, lógico.
Ótimo. — Molly parecia satisfeita. — Isso vai me pou­par ter de dar as notícias ao pobre-coitado.
Você não faria isso!
Quer apostar? O mínimo que Patton pode fazer agora é pedi-la em casamento.
— E eu recusarei.
Molly parecia incrêdula.
— Por acaso ficou maluca, Emi? Fez a proposta a Willian quando mal o conhecia, e agora que o conhece, no sentido bíblico da palavra, não aceita nem mesmo um convite para jantar. Contudo, já percebeu que tem motivos muito mais fortes para aceitar agora, minha amiga.
Emily hesitou por um momento antes de levantar a ca­beça, com altivez.
Willian quer uma mulher com sangue azul e mãos mais macias que as minhas.
Tudo bem. De qualquer forma, não vou deixá-la assumir sozinha toda a responsabilidade. Sobretudo porque ele faz par­te dessa confusão. Além disso, você não será a única pessoa afetada. Deve considerar a reação de Kevin e de sua avó.
A simples perspectiva de contar à família sobre sua gra­videz fez Emily se arrepiar. Sempre pregara ao irmão que tivesse um comportamento exemplar, e agora ele teria uma prova de como suas ações não combinavam com o discurso. Emily lhe daria uma lição às avessas... Aquele seria um exemplo perfeito de como atos impetuosos podiam trazer consequências indesejáveis.
Eu sei, Molly, mas nós conseguiremos lidar com tudo isso.
E quanto a seu tio?
Depois que titio nos visitar, este fim de semana, e vir como Kevin está bem, vai acabar nos esquecendo outra vez. No entanto, apenas para me prevenir, não contarei a vovó ou a Kevin até que a visita termine. Seja como for, você está se antecipando muito. Não espero que Willian me faça a grande proposta.
  E o homem não vai conseguir se você continuar se recusando a ficar perto dele mais do que alguns poucos minutos. Não tenho dúvida de que, se Willian sabe o que é bom para si mesmo, fará o pedido.
  Esse é o ponto principal, Molly. Não quero que Willian se sinta obrigado. Agora, se não se importa, não podemos continuar nosso caminho? Quero chegar antes das sete.
Molly arqueou as sobrancelhas, mas assentiu.
Na meia hora seguinte, as duas limitaram-se a andar, conversando sobre todos os assuntos imagináveis, exceto aquele que insistia em permanecer na mente de Emily: como contar a Willian.
Quando chegou em casa, teve medo de que sua família pudesse perceber algo, mas todos estavam ocupados demais com seus afazeres para notar que ela não estava tão atenta quanto de costume.
Na manhã seguinte, Emily ainda não havia encontrado uma boa maneira de se aproximar de Willian para torná-lo ciente da paternidade.
  Contará hoje? — Molly indagou, na pausa matinal para o café, no hospital.
  Não sei direito o que dizer, mas pensarei em algo quando a hora chegar.
  Bem, pense rápido. Regina Johnson entrou em traba­lho de parto, e ele vai atendê-la. Jo Ann quer que você seja a assistente.
A perspectiva de trabalhar com Willian sabendo que carre­gava seu filho no ventre quase a fez entrar em pânico. Embora já o tivesse assistido várias vezes após aquela noite, sempre o tratara com respeito e deferência, e a reação fora recíproca. Nada, aliás, mudara entre os dois, a não ser pelos insistentes convites para sair. Porém, naquele dia, tudo era diferente.
  Por que eu?
  Sorte, acho — Molly arriscou.
Mas Regina é paciente do dr. Hudson!
Sim, Emi, mas ele está fora da cidade por causa de uma emergência familiar. O dr. Patton o cobrirá até segunda ou terça-feira que vem. Logo que eu terminar com a sra. Larkin, também irei lá para ajudar. Acho que não vai de­morar muito.
Muito obrigada...
Emily caminhou rápido para a sala de cirurgia, onde vestiu-se, e a máscara cirúrgica ajudou a ocultar seu sem­blante preocupado. Pouco depois, uma assistente de enfer­magem trouxe Regina numa cadeira de rodas, ao mesmo tempo que seu marido, Tom, caminhava ao lado das duas.
— Agora deve ser para valer — Emily comentou ao ajudar a mulher a deitar-se na maca.
Regina olhou para o próprio ventre e pressionou os lábios ao sentir outra contração.
— Tem certeza, Emily? Ainda faltam três semanas.
— Suspeito que agora não é um rebate falso, Regina. Interrompemos seu trabalho de parto antes para dar à criança tempo de se desenvolver. Agora ela já está pronta para nascer. — Em seguida apontou para o armário de roupas esterilizadas. — Se precisar de ajuda, Tom, basta me chamar. E não esqueça que, se quiser assistir, precisará colocar a roupa e amarrá-la atrás.
Enquanto Tom colocava o avental, a máscara e as botas de plástico, o gemido de Regina chamou a atenção de Emily de novo. Ao vírar-se, encontrou a maca toda molhada.
Oh, meu Deus! Que bagunça...
Isso é normal, Regina. — Emily apressou-se a trocar o lençol. — Bem, agora que sua bolsa se rompeu, não há mais escapatória.
Gostaria que o dr. Hudson estivesse aqui. Não queria passar por tudo isso sem ele.
Notando a expressão teimosa de Regina, Emily falou com convicção:
— O dr. Patton é um de nossos melhores obstetras. Não tem por que se preocupar.
— Ainda assim, quero o dr. Hudson. Ninguém é tão bom quanto ele.
Ia falar mais, mas outra contração obrigou-a a respirar fundo. Emily virou-se para apanhar um par de luvas, e, ao fazer isso, encontrou Willian parado próximo.
Você! — Os lábios dele curvaram-se num sorriso, como se encarasse a situação com muito bom humor.
Em carne e osso. — Passando pela enfermeira, Emily aproximou-se de Regina.
Sei que deve ter ficado desapontada por seu médico não estar aqui, sra. Johnson, mas vou substituí-lo da melhor forma que puder, tem minha palavra.
Muito obrigado — Tom murmurou, bastante satisfeito com o pequeno discurso do dr. Patton.
Regina ajeitou-se e esboçou um sorriso desajeitado.
— Vou lhe cobrar essa promessa.
Willian não pareceu insultado com o comentário.
É justo. Agora, vamos checar como está sua dilatação. Como a bolsa já se rompeu, usarei um pequeno monitor junto à cabeça do bebê para ver como ele está se saindo.
A bolsa se rompeu há poucos minutos. — Emily apli­cava a agulha para colocar o soro no braço direito de Regina.
Então, já é hora de trabalharmos.
Um suspiro escapou dos lábios de Regina, e o brilho nos olhos de seu marido traía um certo pânico. O rapaz não parecia capaz de controlar o próprio nervosismo.
Ela não me parece bem, doutor...
Regina está ótima. Já conheço todos os detalhes de sua ficha médica, e falei com o dr. Hudson há alguns mi­nutos. Vamos passar por tudo isso sem nenhum problema. E, se houver necessidade, poderemos fazer uma cesariana.
Tom assentiu, parecendo aliviado por saber que havia um plano alternativo.
Emily entregou a Willian um par de luvas de látex, e, depois de vesti-las, ele examinou a paciente, que já fora colocada pelos auxiliares na mesa cirúrgica.
— A criança está na posição — informou aos assistentes, logo depois. — Estará segurando seu bebê na hora do al­moço, mamãe.
Emily estudava o monitor. Os registros indicavam que o coração batia num ritmo normal, e todos os sinais vitais do nenê estavam em ordem.
Colocando a mão sobre a barriga de Regina, Willian es­perou pela próxima contração, e logo que ela terminou olhou para Emily.
Vamos administrar uma dose de Oxydocin.
Não quero nenhuma droga.
Não é analgésico, Regina. — Willian encarou a pa­ciente, procurando confortá-la. — E só um remédio para acelerar seu trabalho, e não vai incomodar o bebê nem um pouco. E quanto antes ele chegar ao mundo, melhor será para vocês dois.
Certo. — A gestante enxugou a testa com as costas da mão.
Emily aplicou o medicamento, e então estendeu uma toa­lha úmida a Tom, para que refrescasse o rosto da esposa.
Depois de pouco tempo, as contrações passaram a ficar mais fortes, e o espaço entre elas diminuiu. Willian esperou mais algum tempo, e então posicionou-se aos pés da mesa cirúrgica.
Chegou a hora. A cabeça do bebê já começou a aparecer. Vamos, Regina, força!
Emily sentia náuseas desde que acordara, mas o que antes era apenas uma sensação desconfortável se transfor­mara num grande incômodo.
Era mesmo uma boa hora para sofrer um ataque de enjôo...
Gotas de suor porejavam suas têmporas, e um calor su­focante tomou conta de seu corpo. Tomando fôlego para man­ter o estômago sob controle, afastou-se por um instante para não demonstrar aos outros o que sentia.
Willian, porém, ergueu a cabeça para estudá-la. Suas sobrancelhas arquearam-se numa inquisição silenciosa.
"Droga! Assim que puder, ele vai me encher de pergun­tas", Emily pensou.
Willian voltou-se e se concentrou na paciente.
— Empurre, Regina, vamos lá. Empurre!
Emily examinou de novo os monitores, e recordou sua lista de procedimentos. Só estava faltando Molly na sala.
Indagando-se por que a supervisora não mandara alguém para ajudar, já ia apertar o botão de chamada quando Molly chegou.
Desculpe-me pelo atraso. Céus, este lugar está pare­cendo uma estação de metro na hora do rush!
Está tudo bem, Molly. — Willian, com toda a delica­deza, moveu a cabeça do bebê, guiando-o para o mundo que o aguardava.
De imediato, o dr. Patton retirou as secreções da boca e do nariz da criança com um aparelho de sucção, e então ajudou os pequenos ombros a passarem. Logo, o restante do corpo.
— É um garoto — anunciou, colocando o recém-nascido em um cobertor que Emily segurava. — E parece muito saudável, também.
Ignorando o próprio mal-estar, Emily levou o nenê para o berçário. Caminhando até a bancada, massageou as costas do recém-nascido para estimulá-lo, e instantes depois os gritos ultrajados do menino já dominavam todo o ambiente.
— Vocês escolheram um nome? — ela quis saber, lutando para conter o próprio enjôo.
Mantendo o pequeno sob a luz quente, trocou a coberta molhada por outra seca e confortável.
— David Allan — Tom informou, orgulhoso.
Enquanto Willian retirava a placenta e terminava os proce­dimentos, Emily analisava a pulsação, respiração, os reflexos e a cor do bebê, fazendo todos os testes necessários para checá-lo.
— Ele está muito bem — informou, satisfeita, ao terminar os exames.
Então, preparou uma fita de identificação e colocou-a no tornozelo de David. Por fim, mediu-o e pesou-o, trocando mais uma vez seu cobertor antes de passá-lo para o pai ansioso. As injeções de vitamina e a vacina contra hepatite B poderiam esperar um pouco.
— Temos mais algum procedimento cirúrgico na fila? — Willian tirou as luvas para lavar as mãos.
Molly meneou a cabeça.
— Não, a menos que alguém tenha dado entrada nos últimos minutos.
Ao sentir outra onda de náusea, Emily quase gritou. Não poderia mesmo ficar mais nem um segundo naquele lugar. Molly aproximou-se discretamente da amiga.
Você está bem, Emi?
Mais ou menos — Emily respondeu entre os dentes, determinada a não perder o controle.
Entretanto, o mal-estar era muito mais forte do que suas forças podiam suportar, e um segundo depois ela saiu quase correndo da área cirúrgica, atravessando a sala de descanso das enfermeiras em direção ao banheiro, onde permaneceu até sentir o estômago vazio.
Alguém apareceu a suas costas, colocando uma toalha úmida em sua nuca e entregando-lhe outra.
Muito obrigada, Molly.
Não há por quê.
Espantada, Emily ergueu-se de modo tão brusco ao ouvir a voz de Willian atrás de si que acabou batendo o ombro contra a pia do banheiro, e a dor a fez engolir em seco.
Impassível, Willian estendeu-lhe um copo com água fresca.
Se já terminou, Emily, vamos para algum lugar onde não exista risco de você se ferir.
Estou muito bem aqui.
Mas eu, não. — Willian recostou-se na parede, olhando de relance para a pia. — Este lugar não foi projetado para duas pessoas.
Naquele momento, a fechadura da porta tornou a girar, e Willian virou-se para verificar quem era o intruso. Depa­rou com Molly.
Emily, você está bem?
Ela está ótima.
  Posso responder por mim mesma, Will.
  Willian cruzou os braços.
  Tudo bem, vá em frente.
  Estou ótima — respondeu à amiga.
Molly não parecia convencida, pois um traço de descon­fiança dominava sua expressão. Não bastasse, os olhos ver­des pareciam cheios de preocupação.
Por que não se senta na sala de repouso por um ins­tante, Emi? Tenho certeza de que ficaria mais confortável.
Era o que eu estava dizendo a ela, Molly. Este lugar não é grande o bastante nem para uma pessoa, imagine três. — Willian lançou um olhar discreto para Molly, como se sugerisse que os deixasse a sós.
Posso lhe trazer alguma coisa, querida? Uma soda, talvez?
Não tem de cuidar de nenhum paciente? — Willian resolver ser mais direto.
A enfermeira ruiva foi pega de surpresa.
Sim, mas...
Perfeito. Então, não se atrase por nossa causa.
— Mas antes de partir tenho que dizer uma coisa. — Molly ergueu o dedo indicador até a altura do peito dele. — É melhor que você...
Sentindo a tensão do momento, Emily apressou-se em se levantar, e deixou-os, desejando interromper o ultimato que suspeitava que Molly estava prestes a dar. Naquele momento, a ajuda dela poderia provocar o efeito contrário ao que desejava obter.
Assim que Molly se foi, Willian tornou a aproximar-se de Emily. Sem dizer uma palavra, guiou-a até o sofá da ala de repouso.
Emily sentou-se, ainda segurando o copo d'água. De sos­laio, pôde vê-lo sentado do outro lado do sofá, próximo o suficiente para ser tocado. Bastaria estender o braço...
Por alguns instantes, Emily permaneceu em silêncio, lembrando-se de todas as frases que ensaiara na véspera. Con­tudo, nenhuma delas parecia muito boa. Por fim, Willian se pronunciou, apanhando-a ainda desprevenida:
— Tem algo para me contar, não é, Emily?

CAPÍTULO III

Emily tentou analisar o comportamento de Willian.
As feições dele permaneciam impassíveis, e nos olhos es­curos havia uma indagação silenciosa. Apenas um leve ar­quear de uma sobrancelha indicava sua expectativa.
Toda a cena lhe lembrava a situação de uma criança apa­nhada pelo pai no meio de uma travessura, quando ele sabia de toda a verdade e estivesse esperando pela admissão da culpa.
Emily engoliu em seco.
Willian inclinou-se para a frente.
— Por que não tentamos assim: eu lhe faço as perguntas, e você pode responder apenas sim ou não.
Diante do gesto de assentimento de Emily, Willian prosseguiu:
— Está grávida, Emily?
Os ombros dela encolheram-se ao observar as próprias mãos por um longo momento. Então, erguendo a cabeça, encontrou o olhar quente e penetrante de Willian.
— Sim.
O dr. Patton se manteve impassível.
— E ia me contar?
— Ia.
— Quando?
Hoje.
— Desde quando você sabe?
— Desde ontem.
— E mesmo assim não aceitou meu convite para jantar? Teria sido a oportunidade perfeita para...
— Sim, teria sido, Will. Acontece que só fiquei sabendo quando vi o dr. Ferguson, depois que saí do hospital. E precisei de algum tempo para pensar.
— E em que esteve pensando?
Uma súbita apreensão parecia ter tomado conta de Willian. Emily respirou fundo, lendo nas entrelinhas da questão que ele fizera.
— Pretendo receber bem o bebê em minha casa, e tenho certeza de que minha família fará o mesmo.
A satisfação fez as pupilas dele faiscarem.
Pode não se importar com minha decisão, Will, por isso...
— Para ser franco, estou muito feliz. Emily encarou-o, surpresa.
— Está?
— Estamos falando sobre meu filho. Ou filha.
— Então não tem o menor medo de que a criança não seja sua?
Emily imaginara que Willian teria aquela dúvida, na vés­pera, e isso ainda a atormentava.
Os lábios dele se abriram num sorriso.
— Recordo-me daquela noite muito bem, incluindo cada pequeno detalhe físico. Sou o pai. Tenho absoluta certeza disso.
Emily corou diante da insinuação. O "pequeno detalhe físico" era que, na verdade, Willian Patton fora o primeiro homem com quem dormira.
Mesmo assim, não estivemos juntos nessas oito semanas...
— Mas sei que não saiu com ninguém desde então, Emily.
— Como pode saber?
— Andei me esforçando nesse sentido.
— Esteve me espionando?
— Apenas fiz algumas poucas perguntas, bem discretas.
Irritada, Emily levantou-se e começou a caminhar de um lado para o outro.
— É mesmo? — zombou, com desdém. — E o que foi que descobriu?
Willian começou a brincar com a ponta dos dedos dela.
— Que é solteira, vive com sua avó e seu irmão. Depois da morte de seus pais, quando tinha dezoito anos, você e sua avó foram nomeadas tutoras de Kevin, que, na ocasião, era um lindo bebê. Trabalhou durante toda a faculdade e o treinamento de enfermeira, e também em Dallas, antes de se transferir para Crossbow. Veio para o departamento de obstetrícia há onze meses, quando surgiu uma vaga.
Emily levou as mãos à cintura.
— Meu Deus! Parece que tem um dossiê mais completo do que o FBI, Will!
— Tem alguma coisa que você não me contou? Talvez seja uma mulher procurada em três Estados e eu não saiba...
Não faça piadas, Willian. Sabe o que quis dizer. De qual­quer forma, não parece tão surpreso quanto achei que estaria.
— Iria preferir que eu perdesse a cabeça e estragasse as coisas?
O comentário a fez lembrar-se de um comentário que ele fizera a Celine. Talvez aquela moça o conhecesse melhor do que Emily acreditava.
— Esteve falando com o dr. Ferguson, Will?
— E você?
— Claro que sim! Ele o indicou para cuidar de meu caso, e tive de explicar por que a sugestão era inviável.
Houve um silêncio durante o qual Willian encarou-a como se considerasse o que ouvira.
— Para ser franco, não tenho falado com Emmett. Pelo menos não a seu respeito. Mas para responder ao que per­guntou, notei que parecia cansada e menos vivaz, e tentei adivinhar qual seria o motivo.
— Desde quando?
— Algumas semanas.
— Foi por isso que começou, de uma hora para outra, a me convidar para sair?
— Mais ou menos.
— Se queria saber se eu estava grávida, por que não foi direto ao assunto?
Ora! Para que todos pudessem ouvir?
Emily sentiu-se um pouco culpada por tê-lo evitado tanto, mesmo assim, estava aliviada pelo comportamento discreto dele.
— De qualquer forma, tive mais tempo do que você para ajustar-me à realidade de ter um filho.
— Isso é ótimo, Will, porque as notícias me pegaram desprevenida. Achei que nós... tivéssemos sido cuidadosos.
— Acidentes acontecem. O único método a prova de falhas é a abstinência completa.
— Bem, agora que já sabe, não precisa se preocupar com nada. Pretendo me manter fiel a nosso acordo inicial. Não vou lhe fazer nenhum pedido.
Willian deixou escapar um suspiro desanimado.
— Já que tudo foi conversado, doutor, tenho de voltar para o serviço agora.
Emily girou sobre os calcanhares e começou a dirigir-se para a saída, mas Willian colocou-se em seu caminho, impedindo-a de prosseguir.
— Nada está concluído, Emily. Sente-se.
— Pare com isso! — Emily não conteve a irritação com a conduta dele. — Se eu ficar aqui mais tempo, vou acabar perdendo meu horário de almoço.
— Você não anda se alimentando direito. — Willian exa­minava a silhueta esguia de Emily. — Aliás, tem estado bem enjoada.
— Mas...
— "Mas" coisa nenhuma. Vou falar com sua supervisora e explicar as circunstâncias.
Não!
— Ela vai acabar descobrindo, de qualquer maneira. Sua condição ficará bem óbvia antes do que imagina.
Emily ponderou por um instante nas situações agravantes.
— Quero lhe pedir que não diga nada a ninguém, Will. Pelo menos por algumas semanas. Vamos nos encontrar hoje à noite para que eu lhe explique tudo. Marque o lugar.
— E devo me arriscar a deixá-la aparecer? Não, Emily. Você esteve fazendo seu jogo, fingindo que éramos estranhos, mas isso acabou.
— Esse foi o arranjo! Concordamos que seria apenas um encontro, e nada de compromisso.
Willian cruzou os braços e estacou.
— Acontece que agora nós temos algo que nos compromete um com o outro. Portanto, tudo mudou, e agora é hora de rever nossas posições.
Emily estreitou os olhos, desconfiada.
— É?
— Sim, e é sobre isso que precisamos conversar, o quan­to antes.
— Não agora. Estou em horário de trabalho.
— Então, peça demissão.
— Grande! Ao contrário de você, doutor, preciso de cada centavo de meu pagamento.
— Por falar nisso, temos de discutir sobre as necessidades da criança.
— Mas isso não precisa ser feito agora, não é? — Emily consultou o relógio de pulso e calculou quanto tempo lhe restava. — Posso lhe dar mais quinze minutos. O que não tiver sido resolvido até então terá de esperar até mais tarde.
—Combinado. Agora, sente-se, por favor.
Emily sentou-se, e Willian permaneceu em pé.
— Pela maneira como vejo essa situação, só nos resta uma escolha lógica, Emily.
— Qual?
— Devemos nos casar. Providenciarei a licença e arru­marei tudo para o próximo sábado.
Emily cruzou os braços.
— Não aceito. Willian a fitou, curioso.
— Por que não?
— Porque sei quais são as qualidades que procura em uma esposa, Willian, e não possuo nenhuma delas. Caso tenha esquecido, procura alguém como Celine, não uma ga­rota como eu.
— Acontece que você é aquela que está carregando meu filho. Para mim, esse é um elemento muito importante a seu favor.
— Um relacionamento assim jamais funcionaria. Nós mal nos conhecemos.
— Acho que nos saímos muito bem naquela noite...
— O que não pode ser base para um casamento. Além disso, nós dois estávamos... feridos.
Willian olhou-a de relance.
— Certo. Assim, vamos considerar a alternativa: perma­neceremos solteiros.
Sim.
— Considerando por seu ângulo, uma mãe solteira não carrega o mesmo estigma do passado. Porém, de qualquer forma, as pessoas vão questionar sua sabedoria. Você tem vinte e seis anos, e é madura o suficiente para saber evitar a impetuosidade e os erros de uma adolescente de dezesseis. — Willian fez uma pausa, respirando fundo. — Também estou certo de que poderia suportar qualquer maledicência, Emily, mas não esqueça que está no meio de uma batalha jurídica pela custódia de Kevin. Não acha que seu tio poderá usar isso como exemplo do quanto você é imprópria para educar seu irmão?
Emily mordiscou o lábio inferior. Seu tio tiraria vantagem de sua condição, é lógico. Bert não se transformara no maior distribuidor de produtos esportivos do Texas por ser muito gentil. Na verdade, fizera sua carreira usando os pontos fracos dos oponentes para destruí-los. O que Emily tinha de fazer era se precaver de que ele não encontrasse os dela.
— Usaria, Will. Se ele soubesse. Vamos nos encontrar no próximo final de semana para reavaliar nossas opções. E, já que o que está em questão é o desempenho escolar de meu irmão, minha gravidez não será o assunto. De qual­quer modo, não sou tola o bastante para dar a meu tio munição extra. Se você não disser nada, ninguém saberá.
— Não até que sua gravidez se torne óbvia. Como será, então?
— Como eu disse, tio Bert está apenas preocupado com a própria imagem. Quando ficar provado que Kevin está indo bem na escola, nada mais terá importância.
— Sendo assim, avalie por meu ponto de vista. Minhas responsabilidades com esta cidade incluem encontrar cami­nhos para melhorar a qualidade do centro neonatal. Se mi­nha vida pessoal for maculada, as pessoas vão questionar minha competência profissional, o que, por sua vez, vai se refletir no hospital. Meu futuro pode ser prejudicado.
Como você disse, pode ser prejudicado. Mesmo assim, não vou encarar um casamento baseado apenas em conjecturas.
— Eu acho que...
Emily interrompeu-o:
— Você me deu vários argumentos persuasivos, mas não acredito que corremos risco de sofrer algum dano. Existem boas chances de que saiamos dessa sem maiores consequências.
Willian começava a se exasperar.
— Já ouviu falar sobre prevenção? Encare, por um ins­tante só, a possibilidade de essa história lesar a nós dois.
— Contudo, por que procurar por problemas quando eles não existem?
— Na medicina, procuramos por eles antes que apareçam ou possam causar danos.
Emily suavizou o tom de voz:
— Simpatizo com sua preocupação, mas, para ser honesta, acredito que ambos somos fortes o bastante para sobreviver a qualquer boato. Afinal de contas, a maioria das pessoas não considera que uma gravidez indesejada é um erro da mulher?
— Está cometendo um engano.
— Talvez, mas estamos em Crossbow. Aqui não é um lugar pequeno como Denton. Fique tranquilo. Nem sua fa­mília nem seus amigos ficarão a par de algo.
— Estamos a apenas noventa quilômetros de distância de lá. Rumores viajam mais rápido do que vírus.
Por um instante, Emily fechou os olhos, desejando que todos os empecilhos desaparecessem em um passe de mágica.
— Sei que depois do que passou, dedicou-se a ponderar sobre todos os ângulos, Will. De qualquer forma, preciso de uma resposta estaria querendo se casar comigo se eu não estivesse esperando nenê?
— Sob circunstâncias normais, acho aconselhável um período de namoro antes. E não tivemos isso. Ainda.
Ele fora evasivo. Entretanto, grávida ou não, ela não era o tipo de mulher que Willian desejava.
— Portanto, embora admita que eu não a pediria em casamento, tenho certeza de que estaria tentando conhecê-la melhor.
Eles se encararam. Emily concluiu que estava sendo fran­co. Mesmo assim, achava difícil crer naquilo.
— Aprecio seu desejo de fazer a famosa "coisa certa", doutor. Algumas dias atrás eu teria aceitado, porque achava que era a única solução para caso semelhante ao meu. No entanto, percebi que tudo pode ser diferente.
— A criança vai precisar de nós dois.
— Não nego isso, e não pretendo bani-lo da vida dele, ou dela.
Willian ficou em silêncio por um instante.
— Como você já sabe, estive remoendo pensamentos e avaliando nossas opções. A solução que sugeri é a que traz mais benefícios para todos.
— Não concordo, Will. E posso apostar que, assim que sua reputação estivesse fora de perigo, você iria se sentir atormentado por estar ligado a uma mulher que não satisfaz a seus desejos.
— E se concordássemos com uma união temporária?
Emily sentia a cabeça prestes a explodir, como se todo o estresse das últimas vinte e quatro horas houvesse se manifestado em um instante. Seu cérebro parecia conges­tionado. Primeiro, tivera as novidades do dr. Ferguson, e agora as táticas de alta pressão de Willian. Ergueu suas mãos, rendendo-se.
— Não posso lidar com tudo isso agora. Tenho de voltar para o trabalho.
Tinha era de escapar dali, isso sim. Era necessário pôr as idéias no lugar.
Levantando-se, Emily tentou sair. Quando estava próxima à porta, Willian segurou-a outra vez pelo ombro.
— Pelo menos pense na minha proposta.
Emily massageou a testa, cansada demais para discutir.
— Certo. Mas não espere uma conclusão rápida. A expressão dele permaneceu solene.
Combinado.
Willian voltou a seu escritório bastante frustrado. Como Emily pudera rejeitar seu oferecimento? Estava certo de haver chegado àquela que considerava como a melhor so­lução. Preferir protelar seria erro.
Esforçara-se para traçar uma estratégia e evitar que qual­quer um dos dois se ferisse. Uma mulher razoável teria dado pulos de alegria com a chance de evitar burburinhos e dividir a responsabilidade com o pai.
Pelo jeito, Emily Chandler não era como as outras. Essa foi uma revelação surpreendente, considerando sua calma e eficiência no hospital.
Para ser honesto, Willian até esperara que ela pedisse por auxílio. Manter uma família com um salário de enfer­meira não era fácil. E tudo se tornaria muito mais compli­cado com as despesas de um bebê.
Entretanto, nem tudo estava perdido. Ainda dispunha de algumas semanas antes de a gravidez tornar-se aparente para persuadi-la a aceitar sua proposta.
Isso posto, concentrou a atenção no atendimento aos pa­cientes. Às quatro e meia, realizou o último exame do dia.
— Nossas suspeitas estavam corretas — ele disse a Lynnette Fairchild, que acabara de voltar do toalete, onde fora trocar de roupa. — Seu teste deu positivo.
A bela loira sorriu.
— Isso é maravilhoso! Estou grávida!
Willian tentou imaginar Emily ouvindo o mesmo tipo de notícia. Suspeitava que ela não demonstrara o mesmo nível de alegria da sra. Fairchild.
— Vou mandá-la para o laboratório, para fazer alguns exames básicos. Por acaso sabe seu tipo sanguíneo e o de seu marido?
— Não, doutor, sinto muito.
— Bem, será fácil descobrir.
— E isso importa?
— Se você for RH negativo, e seu marido, positivo, será candidata a receber RH imunoglobulina depois que a criança nascer, como forma de proteger seus próximos filhos. Não é nada com que se preocupar, apenas uma medida de precaução.
Willian lembrou que precisava checar o mesmo em rela­ção a Emily.
— Certo.
— Quando voltar no mês que vem para o ultra-som, pro­videnciarei vários testes de sangue para nos certificarmos de que não há nenhum problema genético com a criança.
— E se houver algo errado?
— Então, precisaremos confirmar. Mas você é tão jovem e saudável que as chances de isso acontecer são muito pequenas.
Lynnette apertou a bolsa, nervosa.
— Fiz muita coisa estúpida quando era adolescente. Não era o que vocês chamam de uma boa garota. Nunca me meti em encrencas, porém...
— Faremos exames de rotina para ver se há existência de filamídia, gonorréia e outras doenças sexualmente trans­missíveis. Se detectarmos alguma infecção, vamos tratá-la rápido. Mais alguma dúvida?
Ela meneou a cabeça, e Willian continuou:
— Se quiser celebrar hoje, lembre-se: nada de cigarro, nada de bebidas ou drogas.
— Estou tentando parar de fumar, doutor. Já diminuí para dois cigarros ao dia... um de manhã e outro antes de dormir.
— O ideal é parar de vez. Como já deve saber, filhos de fumantes têm tendência a nascer com peso abaixo do normal e apresentam maior número de infecções respiratórias.
— Sim, já ouvi dizer. Foi o que me fez pensar em deixar o vício.
— Muito bem. Não se esqueça de tomar o suplemento de vitaminas, e certifique-se de que ele contém ácido extrafólico. Se estiver insegura, consulte um farmacêutico. Alimente-se de forma saudável e faça exercícios, mas não exagere.
Certo.
Vejo você em um mês. Antes de ir embora, a enfer­meira lhe dará alguns panfletos para estudar. Se começar a sentir cólicas e perceber sangramentos, ligue-me no mes­mo instante.
Farei isso.
Estendendo o braço, Willian tocou a campainha para cha­mar sua enfermeira, Tina Allen.
— Tina, entregue a sacola de costume para a sra. Fairchild — pediu, referindo-se ao pacote que continha os folhetos explicativos, amostras de vitaminas e outros medicamentos. — Tinny ainda está aí?
Tina, uma mulher magra de cerca de cinquenta anos, assentiu.
Atende um paciente, no momento, mas posso chamá-lo quando estiver livre.
Muito obrigado.
Depois de despedir-se da paciente, o dr. Patton, enfim, ficou a sós pela primeira vez naquele dia, e tentou organizar os pensamentos, acomodando-se na confortável cadeira de couro.
Parte de Willian sentia um prazer incrível pela perspectiva da paternidade, mas a outra preocupava-se bastante com isso. Deixando escapar um suspiro, estendeu a mão e atirou um dardo no alvo que ficava na parede oposta à da escrivaninha.
Emily mantivera-se muito afastada depois do que acon­tecera entre eles. Willian concluíra que o sentimento que nutria por ela não estava sendo retribuído, e isso deixou-o inseguro. Para compensar, passara a tratá-la de maneira mais distante do que o normal.
De qualquer forma, sua atitude mudara assim que pôde notar o aparecimento de olheiras sob os belos olhos de Emily, que, de uma hora para outra, pareceram ter perdido um pouco de seu brilho característico.
Logo, decidira mudar de tática, e passou a convidá-la para jantar, impondo sua presença cada vez mais. Se Emily tivesse algo a dizer, preferia lhe dar toda as oportunidades para se aproximar.
Entretanto, a imagem de uma Emily abatida não era a que preenchia sua mente. A maravilhosa figura feminina naquela noite do baile, sim, seria uma visão que carregaria, talvez, para sempre. Aquela fora a única vez que vira soltos os longos cabelos loiros, caindo em ondas sobre os ombros nus, como uma capa sobre o vestido de seda verde.
No trabalho, Emily vestia-se de maneira bem diferente. Seu uniforme, de corte largo, não lhe fazia justiça. Willian lembrava-se de como o traje de festa ajustava-se às formas perfeitas daquele corpo, como uma luva cirúrgica. Nunca a julgara tão provocante.
Só de pensar no que houvera entre eles, sentia todo seu corpo reagir.
Em um primeiro momento, achara que poderia relegar tudo ao esquecimento. No entanto, nem tudo correra da maneira como ele esperara. Desejava-a agora mais do que antes. Queria aquele corpo feminino contra o seu mais uma vez.
Por ter sofrido muito na infância, Willian jamais quisera submeter-se à paixão. Organizara sua vida e planejara seu futuro, mas agora, de uma hora para outra, tudo fora por água abaixo. O caminho que traçara com tanto cuidado em direção ao próprio destino fora interrompido por um acon­tecimento inesperado.
Claro que Willian não tinha a menor intenção de fugir das obrigações. A família que desejava ter um dia viera muito mais cedo do que ele havia planejado, e seu projeto de estar firme­mente estabelecido em sua profissão antes que uma criança chegasse caíra por terra. Mas, como Celine sempre lhe lembrara, nem sempre as coisas correm de acordo com escalas e planos.
Para ser honesto, imaginar Emily tendo mais de um filho dele era até mesmo muito agradável. Também sentia uma ponta de orgulho por ter sido o homem escolhido por ela para ser o primeiro.
A idéia de vê-la tendo um relacionamento com outro, ou mesmo de que outra pessoa criasse sua criança, era inconcebível.
Mais uma vez, seus olhos concentraram-se no alvo de dardos, e pouco a pouco surgiu uma nova estratégia de ata­que que o fez sorrir.
"É isso!"
Enfim, descobrira uma forma de impedir Emily Chandler de fugir.

CAPÍTULO IV

No exato momento em que abriu a porta de sua casa, Emily sentiu o pânico crescer den­tro do peito.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, num sussurro estudado, a Willian, parado à soleira, com a gola do casaco virada para cima para proteger-se da brisa fria que soprava naquele crepúsculo.
— Não é óbvio? Você disse que nos encontraríamos à noite para conversar.
— Eu não quis dizer aqui.
Willian deu de ombros de maneira casual.
— Foi embora antes que tivéssemos combinado hora e lugar, Emily, então, tive de cuidar do assunto do meu jeito.
— Ótimo. O que acha de nos encontrarmos na Pizzaria do Joe às sete e meia?
— Quem está com você, querida?
A voz metálica da avó vinha da cozinha.
— É para mim, vovó.
Ellen Oakland apareceu no corredor, segurando uma co­lher de madeira. Sorriu, e seus olhos brilharam ao perceber o visitante inesperado.
— Convide-o a entrar, Emily. Não deixe o coitadinho nesse frio.
Sentindo no rosto a brisa fria que soprava, Emily deu im passo atrás, de forma quase que mecânica.
— Cumprimente-a e vá embora, Will.
— Mas eu acabei de chegar... — Esboçou um largo sorriso para a anciã.
— Encontre alguma desculpa. Você é um homem esperto, afinal.
A tensão mal contida de Emily crescia em proporções mo­numentais, e a expressão inocente de Willian lhe dizia que algo estava para acontecer. Por algum motivo, sabia que aquela não era uma visita amistosa. Ele devia ter alguma razão para estar lá.
— Vovó, este é o dr. Patton.
Inclinando-se para a frente, Willian estendeu a mão para a velhinha.
— Por favor, me chame de Willian. Sou amigo de Emily.
Agora ele ia usar sua avó para conseguir o que queria.
Impotente, Emily sentiu cada músculo retesar-se. Mesmo assim, forçou-se a parecer alegre. Ellen parecia encantada.
— Muito prazer, sou Ellen Oakland. Mas o que o trouxe até aqui esta noite?
— Vim convidar Emily para jantar, mas vejo que cheguei atrasado.
— Estávamos nos sentando à mesa, Willian. Você é bem-vindo para se juntar a nós.
— Isso é muito gentil de sua parte...
— Mas ele não pode — Emily interveio. — Ele... ele...
— Para ser franco, adoraria experimentar uma comida caseira. — Ignorou de propósito o claro apelo de Emily.
— Você não tem família por aqui?
— Não, senhora.
O deleite na expressão de Ellen era evidente. Sempre encorajara Emily a sair com mais frequência. A simples situação de ver um rapaz caindo direto no colo da neta era algo bom demais para ser verdade.
Ao imaginar o que viria a seguir, Emily massageou as têmporas, tentando diminuir a tensão.
— Emily, querida, onde estão suas boas maneiras? Pegue logo o casaco de Willian. Vou mandar Kevin colocar mais um lugar à mesa. — Ao dizer aquilo, Ellen desapareceu pelo corredor.
Sem a menor cerimônia, Emily retirou o casaco de Willian, guardando-o no armário.
— Devia ter achado uma desculpa para sairmos daqui.
— E perder a refeição de sua avó? — Willian aspirou o aroma delicioso que vinha da cozinha. — Eu nunca faria isso.
— Este não é um bom momento para uma visita social — ela observou, pensando no olho roxo de Kevin.
— Sendo assim, deveria ter aceitado meu convite para sair. — Willian passou os dedos entre os cabelos para ajeitá-los.
— Está tudo pronto — Ellen chamou-os, da cozinha.
Willian começou a avançar, mas Emily o deteve.
— Por favor, não diga nada sobre... você sabe. Não quero dar nenhum motivo de preocupação para minha avó neste momento.
— Então espero que leve a sério minha proposta.
— Por favor, Will...
A expressão desesperada nos olhos castanhos fez Willian sentir-se culpado.
— Não vim aqui para causar transtornos. Só quero conhecer sua família.
As sobrancelhas dela arquearam-se.
Por quê?
Por que não?
Emily! — a voz inconstante e jovem de um adolescente se fez ouvir. — Estamos famintos por aqui, esqueceu?
Vou me comportar direitinho — Willian prometeu.
Emily, decerto, concluiu que seria impossível discutir na­quele momento, porque não disse uma palavra sequer. Em vez disso, limitou-se a olhá-lo, exasperada, antes de condu­zi-lo para dentro.
Na mesa, estavam colocadas travessas de filé à Salisbury, batatas coradas e uma salada com feijões verdes.
— Este é um deleite inesperado. — Willian dirigiu-se à cadeira que Ellen lhe indicara. Não ficou surpreso ao ver que era o lugar ao lado do de Emily. — Você deve ser Kevin. — Estendeu a mão para o rapaz. — Eu sou Will.
O garoto era uma versão masculina e juvenil de Emilv A cor dos cabelos, o formato da cabeça, todas as linhas da face eram as mesmas, embora Emily possuísse traços mais suaves. Até a cor das íris era idêntica.
Kevin piscou, surpreso, e aceitou o cumprimento. Na ver­dade, apenas um olho piscava, pois o outro era contornado por uma enorme mancha púrpura.
— Prazer em conhecê-lo — o garoto murmurou alguns instantes depois, como se enfim tivesse se lembrado do que devia dizer.
— Podemos nos sentar? — Ellen falava com vivacidade.
Emily se acomodou, pálida e com os lábios cerrados.
Por um momento, Willian se arrependeu por ter aparecido sem avisar, mas, ao observá-la melhor, logo percebeu que era a comida, e não sua presença, que a deixava enjoada.
— Como vai indo na escola, Kevin. — Willian aceitou a travessa de carne que Ellen lhe oferecera. — Deixe-me ver... aposto que está na sexta série, certo?
— Certo.
— Espero que as coisas tenham mudado desde a época em que tinha sua idade. Céus, eu odiava estudar...
— É mesmo?
Willian assentiu.
— Tudo era muito aborrecido, e eu vivia me metendo em confusão. Se não tivesse conhecido Abe Tarnell, na certa estaria na prisão hoje em dia.
— Sério? — Kevin repetiu, com interesse palpável.
Ellen parecia intrigada, enquanto Emily demonstrava apenas seu mal-estar com tudo o que acontecia.
— Verdade, Kevin. Vou lhe contar toda a história qualquer dia, quando você estiver entediado e não tiver mais nada para fazer.
A avó de Emily lhe estendeu o prato com as batatas.
Por falar em tédio, Will, gostaria que o trabalho de Emily fosse menos estressante. Essa menina trabalha como louca o dia inteiro. O hospital não pode contratar mais enfermeiras?
Willian fitou Emily por um momento.
— Não sei...
— Bem, devo dizer que acho terrível como sobrecarregam a equipe. Minha neta chega em casa tão exausta, às vezes, que nem mesmo tem vontade de comer. Algo deve ser feito antes que algum dano seja causado a sua saúde.
— Vovó! Willian não está envolvido nas decisões a res­peito da equipe de enfermagem.
Aquela seria a oportunidade perfeita para obter toda a camaradagem de Ellen, mas Willian não podia desrespeitar os desejos de Emily. Precisava ganhar confiança, construir um terreno sólido para atingir seu objetivo.
— Se lhe servir como consolo, Ellen, algumas épocas do ano são piores que as outras. Não apenas no hospital, mas na vida privada também. Logo a tormenta vai passar.
Emily assentiu. Sua expressão transmitia o alívio que sentia.
Era o que estava tentando lhe dizer, vovó.
E quanto a Emily estar cansada, Ellen, tenho certeza de que ela voltará à normalidade em breve.
Observando a comida quase intocada no prato dela, Willian se preocupou. Se aquele jantar refletia os hábitos alimentares dela, não era de se espantar que a anciã estivesse alarmada.
Minutos mais tarde, Willian limpou os lábios com o guar­danapo, satisfeito.
— Estava tudo delicioso, Ellen. Foi a melhor refeição que experimentei em muito tempo.
— Você é bem-vindo para voltar quando quiser. Espero que goste de torta de banana.
— Nem me fale! Esse doce é um de meus favoritos.
A anciã começou a empilhar a louça suja ao levantar-se, e, antes que Willian pudesse se oferecer para auxiliar, ela se adiantou:
— Kevin, pode me ajudar a limpar a mesa? Emily, por que não leva Willian até a sala de estar?
Emily congelou.
— Eu... prefiro ajudá-la, vovó. Tenho certeza de que Kevin e Will podem conversar um pouco. Você não se importa, não é, Willian?
Ele sorriu, dando-se conta das táticas evasivas dela. Ao mesmo tempo, Kevin deixou escapar um suspiro.
— Não, claro que não.
— Vamos lá, Will...
O garoto, de imediato, apanhou o controle remoto e ligou a tevê.
— Quer assistir televisão?
Willian notou o modelo parcialmente construído de uma estação espacial. Logo ao lado, havia também uma máquina portátil de costura e uma caixa com vários vestidos de bo­neca. A estação ele podia apostar que era de Kevin. Perguntou-se se a costura seria o hobby de Emily.
— Prefiro conversar com você, Kevin.
Mesmo?
A reação atônita de Kevin divertiu-o.
— Sim. O que gosta de fazer?
Desconfiado, o jovem desligou o aparelho antes de sentar-se e fitar o teto, com ar ausente.
— Coisas...
Um sorriso curvou os lábios de Willian. Ver aquele garoto fazia com que se lembrasse de si mesmo naquela idade.
— De que tipo? Kevin deu de ombros.
— Aprecio jogos de computador, astronomia...
— Então tem um computador?
— Sim, em meu quarto. Queria me conectar na Internet, mas Emily não deixa. Ela tem medo de que eu fique vendo sites pornográficos ou passe todo o dia em uma sala de conversação. — Seu desgosto sobre os argumentos da irmã era óbvio. — Ela não entende como é difícil fazer trabalhos de escola sem pegar o material na rede.
— Se Emily concordar, poderá acessar a Internet em meu computador quando quiser.
— Que bom! Na biblioteca pública o tempo limite é de apenas trinta minutos.
Willian concluiu que tinha marcado um ponto.
— Diga-me, Kevin, aquela estação espacial é sua?
O menino olhou de relance para a estante.
— Sim, é a Mir. Quando for para o colégio, quero ter aulas de marcenaria.
— E uma boa escolha. Você é bom em consertos?
— Muito — Kevin admitiu, orgulhoso. — Costumo tomar conta de tudo por aqui. Já fiz até mesmo um reparo na parte elétrica. Mas isso foi complicado, pois Emily ficou me importunando o tempo todo.
— Posso apostar que sim.
— Minha irmã estava com medo de que eu fosse eletrocutado, apesar de eu lhe garantir que isso seria impossível, já que a corrente estava desligada. Aliás, tentei explicar, mas não funcionou. Emily parecia estar apavorada com cada detalhe... Às vezes acho que se preocupa demais.
— Demora para nos acostumarmos à idéia de que alguém cresceu, Kevin. Ainda mais se estamos falando de uma pes­soa de quem se cuidou desde a infância.
Kevin ficou em silêncio por um instante, como se pon­derasse esse novo ponto de vista.
— Acha que é isso?
— Tenho certeza de que sim. — Willian observou de relance as roupas de boneca. — Sua avó fez aquilo?
— Não. Emily tem uma amiga que trabalha em bazares beneficentes toda primavera. Ela sempre ajuda Tânia com a costura. — O menino ficou quieto por um minuto. — Há quanto tempo a conhece?
Desde que me mudei para Crossbow, quatro meses atrás.
Willian não achava necessário contar que, descontando a noite do baile de Natal, suas conversas com Emily quase se limitavam a assuntos profissionais.
— Só isso?
A indagação não ofendeu Willian. Ele compreendeu que o garoto só queria proteger a irmã, por ser "o homem da casa". De qualquer forma, também não queria descrever seu relacionamento em detalhes.
— Já encontrou alguém com quem simpatizou de imediato, Kevin? Foi isso o que aconteceu entre Emily e mim.
Kevin meneou a cabeça como se compreendesse tudo.
— Eu não gostava de Don. Não conseguia entender o que Emily tinha visto nele.
A opinião de Willian sobre o ex-namorado de Emily tam­bém não era das melhores, mas preferiu não comentar.
— Don vivia tentando me dar ordens, como se eu fosse uma criança.
Willian percebeu uma armadilha.
— Vou tentar não fazer a mesma coisa.
— E aposto que vai agir assim apenas para conseguir se aproximar melhor de Emily.
A honestidade parecia ser a melhor política a ser usada naquela situação.
— Isso é verdade, em parte. Mas o mais importante é que acho que você pode precisar de um amigo que o ouça e não faça parte de sua família. Alguém objetivo.
O jeito de Kevin revelava mais do que qualquer palavra. Algo o atormentava, e não podia falar com a irmã. De qual­quer forma, Willian chegou à conclusão de que não era hora de pressioná-lo. Kevin ainda não estava pronto para confiar nele. Por isso, preferiu mudar de assunto:
— Você tem um cão?
— Não. Não temos espaço para um bicho de estimação. Além disso, também não quero um.
Que pena... Planejo comprar um labrador muito em breve.
— Labrador? Um garoto da escola tem um setter irlandês.
— É um belo animal.
Um pesado silêncio abateu-se sobre os dois, e Willian esperou que Kevin reiniciasse a conversação.
— A escola é muito aborrecida, Will. Os professores são uns idiotas, e os outros meninos não tem a menor graça.
— O que o faz dizer isso?
Kevin tocou a sobrancelha ferida e evitou encarar Willian.
— Eles dizem coisas...
Aquela era, sem dúvida, a forma de expressão favorita do rapazinho.         
— De que tipo, Kevin?
Não importa. São todos uns infelizes. Quem precisa deles?
— Isso se aplica a todos ou apenas a alguns?
— Alguns.
— Se quiser falar a respeito de homem para homem, estou disponível.
Kevin meneou a cabeça.
— Não preciso conversar com ninguém. Posso cuidar de tudo sozinho.
Willian tentou manter um tom leve e impassível:
— Em minha opinião, adquirir um hematoma é uma ma­neira interessante de se sair bem...
— Pelo menos não vou ter de aguentar aqueles imbecis depois da escola por alguns dias. Fui suspenso.
— O que houve?
Kevin hesitou.
— Gostaria de ouvir seu lado da história. Isso, é claro, se quiser me contar.
O garoto mordeu o lábio superior.
— Alguém roubou três mouses dos computadores do la­boratório de ciências, e o diretor anunciou que haveria uma busca nos armários se eles não aparecessem. Dois rapazes estavam agindo como se tivessem feito algo errado, por isso chequei meu armário e encontrei os mouses lá.
— E o que aconteceu?
— Coloquei as três peças na caixa de correspondência do professor de ciências. O pior de tudo é que, depois da aula, ouvi Judd e Eric se gabando do que tinham feito.
— Você contou ao diretor?
O rapaz parecia horrorizado.
— Para ser chamado de delator? De jeito nenhum! Seja como for, a sra. Rogers não acreditaria em mim. Sabe como é... Judd e Eric vivem na parte boa da cidade. As famílias deles são "pilares da comunidade".
Ouvindo afirmação tão sarcástica, Willian recordou suas próprias experiências frustrantes da adolescência. Mais uma vez sentiu-se estranhamente ligado ao garoto. Afinal, as semelhanças eram muitas. Ele mesmo tivera problemas com uma professora chamada sra. Rogers.
Querendo amenizar o clima, resolveu contar essa coinci­dência para Kevin.
— Não brinque! — Kevin mostrou-se surpreso. — Será que poderia ser a mesma mulher?
  Duvido. Não cresci em Crossbow. E, para ser franco, ela deve estar aposentada a essa altura.
O olho bom de Kevin faiscava.
— Aposto que é ela. A mulher tem cabelos grisalhos.
Willian conteve um sorriso diante das deduções de Kevin.
No fundo, porém, desejava que fosse a mesma sra. Rogers. Teria muito prazer em voltar a encontrar a pessoa que o rotulara como candidato para o reformatório, mostrando a ela que se tornara médico.
— Emily sabe sobre os mouses roubados?
Kevin fez que não.
Pensa apenas que estive brigando outra vez. Mas não conte a ela. Minha irmã já tem muita coisa com que se preocupar.
Seu tio, por exemplo?
Sim, e isso é minha culpa também. Agora posso ter arruinado tudo para vovó e Emily. Talvez apenas devesse desistir e viver com tio Bert.
O tom desanimado do menino emocionou Willian.
Você quer viver com ele?
Não. Titio vive implicando comigo sobre tudo. Vai ficar uma fera quando descobrir o que aconteceu hoje.
Willian hesitou.
E se você lhe explicasse toda a situação? Tenho certeza de que ele entenderia suas atitudes. Afinal de contas, o homem também já foi jovenzinho.
Não! Na certa tio Bert contaria tudo para a sra. Rogers, e os rapazes iriam transformar minha vida num inferno.
Aquilo fazia sentido, Willian admitiu, simpatizando ainda mais com o garoto. Kevin tivera de escolher entre o menor de dois males... O que não era nada animador.
— Gostaria de não deixar que aqueles cretinos me afetassem tanto, Will. Mas eles conseguem.
Willian também se lembrava de um grupo que o fizera passar por maus momentos no colégio. Fora o bom amigo Abe que o ensinara como controlar a situação, e agora sur­gira a oportunidade de fazer o mesmo por alguém.
— Se você quiser, chame-me da próxima vez que tiver problemas com Judd e Eric. Posso ensinar-lhe a resolver as encrencas.
Um brilho de esperança tomou conta das feições de Kevin.
— Você faria isso, Will?
— Claro! Desde que não esteja no meio de um parto ou uma cirurgia. Mas, mesmo assim, irei o mais rápido que puder. — Apanhou a carteira no bolso da calça. — Aqui está o número de telefone de meu consultório. Se quiser conversar, costumo estar em casa à noite.
Kevin colocou o cartão no bolso da camisa.
— Não sei quanto a você, Kevin, mas eu estou louco para saber o que aconteceu com aquela torta. Vamos até lá?
— Por que está fazendo isso, Emily Ann?
A que se refere, vovó? Apenas coloquei a louça suja na lavadora, e agora estou preparando os pratos de sobremesa.
Ellen empurrou a neta para longe da pia.
— Sabe muito bem do que estou falando. Não posso acreditar que ainda está aqui, tendo um belo moço esperando para vê-la na outra sala. — Ao dizer aquilo, a anciã entregou uma bandeja com dois pratos de torta para Emily. — Leve isto e aproveite.
— Não posso. Tio Bert virá amanhã à noite, e estou preocupada com o que ele dirá sobre a suspensão do Kevin.
— Uma razão a mais para tentar relaxar um pouco — Ellen observou com firmeza, empurrando a neta, com cari­nho. — Ande logo e aproveite a companhia de seu jovem.
— Ele não é meu!
— Seja como for, vá. Ah! E lembre Kevin de que é hora de fazer a lição.
Emily dirigiu-se para a sala de estar determinada a man­dar Willian embora o mais rápido possível. Queria manter as encontros deles numa esfera estritamente profissional, evitando, assim, as estranhas sensações que tomavam conta de seu corpo quando se via ao lado dele.
Lutava contra aquela atração com todas as forças que possuía. Por mais que, no fundo, desejasse ser a mulher que ele queria, a companheira com quem Willian sonhara, tinha de saber que não era. Não adiantaria nada fingir o contrário.
Por aquela razão, recusava-se a aceitar a idéia de ser sua esposa, mesmo que só por algum tempo. Ficaria incon­solável quando a relação acabasse. A dor ao ver que Willian a deixava para ficar com alguém como Celine seria muito pior do que uma simples onda de boatos.
Emily não era orgulhosa, mas sabia muito bem que não conseguia suportar a piedade alheia.
Encontrou Willian e o irmão logo que atravessou a soleira. Kevin se apressou a auxiliá-la.
— Obrigado, Emily. Nós pensamos que você tivesse se perdido, ou então esquecido.
Esquecer a presença de Willian? Como se fosse possível...
Sinto muito, Kevin, mas seu doce está na cozinha. Você poderá comê-lo enquanto estiver terminando seus afazeres.
Kevin deixou escapar um longo suspiro de desânimo.
Tenho de fazer isso? Willian e eu estávamos conversando.
Emily tentou não demonstrar sua surpresa. Seu irmão nunca passara muito tempo conversando com Don.
— Tem, sim, Kevin. O prazo para seu trabalho de escola vence amanhã.
Willian sorriu.
— Nos veremos antes que eu vá embora, Kevin. – Parecendo satisfeito, Kevin deixou-os a sós.
— Parece que vocês dois encontraram algo em comum.
— Achou que não conseguiríamos?
— Não sei ao certo o que imaginar, Will. Diga-me, sobre o que conversaram?
Willian colocou uma garfada de torta na boca, mastigou, e então sorriu.
— Sobre coisas...
Ela gemeu.
— Oh, meu Deus! Não me diga que está adotando o vo­cabulário de Kevin!
— Gostei dessa palavra. E uma resposta que não quer dizer nada... Mas, para saciar sua curiosidade, falamos sobre os interesses dele.
— Ele mencionou a escola?
— Sim. Parece que anda tendo problemas com alguns de seus colegas de classe.
— Concluí isso pelo que o diretor e o conselheiro me disseram. Como fez para que meu irmão se abrisse, sendo um estranho?
Talvez eu seja justo por isso que o garoto sentiu que poderia confiar em mim. Ou talvez eu apenas seja um bom ouvinte. Qualquer que seja o caso, posso ajudá-lo, se você permitir.
Emily abandonou a sobremesa quase intocada sobre a bandeja. Ao mesmo tempo que admirava o gesto dele, ques­tionava seus motivos.
— Por que se incomodaria?
— Porque quero.
Ela ainda não estava convencida.
— E verdade?
Willian esticou suas longas pernas.
— Queira ou não, Emily, agora sou parte da família.
— Você é o quê? — Encarou-o incrêdula.
— Kevin vai ser o tio de meu filho... ou filha.
Levantando a cabeça, Emily olhou para a porta da cozinha, temendo que a avó ou o irmão pudessem escutar algo.
— Fale baixo, por favor!
— De qualquer modo, tenho um interesse especial por tudo o que lhe diz respeito.
Erguendo-se, ela colocou as mãos na cintura.
— Já tenho problemas demais com o irmão de meu pai. Fique sabendo que me recuso a dançar conforme sua música, dr. Patton.
Willian empertigou-se.
— Não me coloque na mesma categoria que seu parente. Quer nos casemos, quer não, estamos ligados por causa des­sa criança, e quero o que for melhor para ela.
Eu também.
Então, deixe-me ajudar da maneira que puder. Esse estresse adicional é ruim para você e para o bebê.
Mais uma vez, Willian estava certo. O estômago dela retorcia-se, tanto de náuseas causadas pelas mudanças hormonais como pela tensão nervosa. Àquela altura, o nenê devia estar passando por maus momentos.
O telefone tocou, a distância, e o abrupto silêncio que se seguiu a fez lembrar-se da existência de outras pessoas na residência.
— Não quero discutir isso aqui, Will. Não temos nenhuma privacidade.
— Vamos ter de contar para sua avó uma hora dessas. Creio que ela já suspeita de que há algo errado.
— Direi tudo, mas não agora.
Willian levantou-se de repente.
— Ótimo. Pegue seu casaco. — Diante de sua hesitação, ele emendou: — Não vou detê-la por mais de uma hora.
Emily encontrou Ellen no corredor, tendo Willian logo atrás de si.
— Nós estamos indo...
— Seu tio...
Ambas pararam no meio da frase. Emily sentiu-se ainda pior à simples menção de Bert.
— O que estava dizendo, vovó?
— Bert acabou de ligar. Não poderá vir até o próximo final de semana porque teve uma reunião de emergência com seus gerentes.
— Que sorte! O olho de Kevin terá sarado, e não preci­saremos falar nada sobre sua suspensão. — Ellen sorriu.
— Sabia que ia ficar contente. E você, o que ia me dizer?
Emily demorou alguns segundos para colocar os pensamentos em ordem.
— Willian e eu estamos de saída. Estarei em casa em uma hora.
— Divirta-se. — Ellen esboçou um sorriso largo.
Vinte minutos depois, estavam sentados no carro de Willian.
— A pizzaria não fica na outra direção? — Emily percebeu que ele virava para a direita, em vez da esquerda.
— Sim, mas vamos para meu apartamento. Lá poderemos conversar à vontade. — Depois de uma breve pausa, con­tinuou: — Tudo bem para você?
A boca de Emily ficou seca. Não esperava por isso, mas tinha de concordar que um restaurante lotado não era o melhor local para discutirem suas vidas.
A recordação da única visita que fizera àquele aparta­mento fez sua pulsação acelerar. Ainda assim, não podia precisar se era algum senso de antecipação ou só ansiedade.
Emily pigarreou e tentou parecer casual:
— Tudo bem, claro.
Quando Willian a conduzia para a sala de estar, pouco depois, Emily sentiu-se tomada por um estranho turbilhão de conjecturas. Conhecia muito pouco sobre aquele homem. E mesmo assim teria um filho dele...
— Quer beber algo? — Willian ofereceu.
Ela não tinha sede, mas precisava de alguns minutos a sós.
— Água, por favor.
Emily acabara de sentar-se na cadeira de balanço de ma­deira quando Willian voltou trazendo água gelada e uma garrafa de cerveja.
Ela apanhou o copo, sentindo uma corrente elétrica per­correr sua espinha quando seus dedos se tocaram. Tentando disfarçar, acomodou-se melhor.
Amendoins? — Ele estendeu-lhe a tigela.
Não, obrigada.
Willian sentou-se no sofá do outro lado da mesa.
— Nós não temos nada para discutir, Will. Tudo está sob controle com meu tio agora.
Talvez.
As sobrancelhas dela arquearam-se.
— Por que diz isso?
Willian só voltou a encará-la depois de levar a garrafa aos lábios, sorvendo um gole.
— Nunca o vi, por isso não posso dizer ao certo. Mas a pergunta é: será que Bert aceitará sua palavra sobre os progressos de Kevin no colégio?
Emily podia imaginar muito bem Bert ligando para a escola, interrogando alguma pobre secretária, acabando por descobrir tudo o que queria.
— É um risco que terei de correr.
Esse é o ponto, Emily. Você não tem de correr esse risco.
— Se tudo o que quer é tentar me coagir a aceitar o casamento, por favor, me leve de volta.
Ouça, você está tentando satisfazer seu tio. Estou apenas lhe oferecendo uma alternativa que possa agradar a todos.
— Sei que tem boas intenções, mas ainda não me convenci de que sua solução é a mais adequada.
Quando Willian fez menção de responder, ela continuou:
— De qualquer forma, eu disse que pensaria a respeito de sua proposta, e farei isso. Apenas não me pressione, certo?
É justo. Seja como for, já escolheu um médico? Tanto o dr. Moore quanto o dr. Abernathy podem atendê-la no meio da semana que vem.
Raiva e horror misturaram-se no íntimo de Emily.
Você marcou uma consulta para mim?
Não foi bem assim.
O ultraje dela pareceu diminuir.
Ótimo, porque eu gostaria de ver Susan Hathaway. Willian hesitou.
Ela não é apenas clínica geral?
Sim, e daí?
É boa médica?
Gosto do modo como trata os pacientes.
Os lábios de Willian retorceram-se, como se não concor­dasse com a decisão, mas não tivesse poder para fazer nada.
— Preferia que Gene ou Charles estivessem envolvidos...
— Eu não. — Emily não parecia nem um pouco inclinada a discutir o assunto.
Um pesado silêncio os envolveu, e por alguns instantes Emily só ouviu o barulho do vento soprando do lado de fora da janela.
Tudo bem. — Willian se desapontara, e não escondia isso. — Mas, se tiver qualquer complicação, me reservo o direito de chamar um especialista, tanto para você como para o bebê.
Nós já temos um especialista. Você estará lá. — E então, tocada pela veemência de Willian, emendou: — Sei que vai cuidar muito bem de nós.
Sim. Vou mesmo.

CAPÍTULO V

Não posso acreditar que isso está acontecendo outra vez! — Heidi Detrich deixou a cabeça cair no travesseiro. Sua pele era tão clara que rivalizava com o branco dos lençóis. — Devia estar aproveitando o começo de minha gravidez.
Emily simpatizava com a moça, desejando que seu próprio estômago também cooperasse. Contendo um suspiro, injetou o complexo de vitaminas B e C no braço da paciente.
— Você já teve enjôos matinais antes?
Heidi assentiu, mantendo uma expressão séria.
— Sofri do mesmo jeito quando tive meu filho mais velho. Na verdade, foi como descobri que estava grávida. Essas mulheres que atravessam o primeiro trimestre sem nenhum problema me deixam louca de inveja.
— Chegou a ser internada na época?
— Por uma semana. Parece-me que daquela vez a médica falou o mesmo que você, mas não consigo me lembrar das palavras exatas.
Vamos deixar que o médico faça o diagnóstico, está bem, sra. Detrich? — Ao dizer aquilo Emily retirou a agulha e passou um algodão embebido numa solução anti-séptica no braço da paciente.
Heidi fechou os olhos.
— A senhora tem um garoto ou uma garota?
— Garota. Está com minha mãe porque Rick não pôde largar o trabalho. Lucy está com três anos e é muito travessa.
— Aposto que sim. Mas, enquanto estiver aqui, só terá de se preocupar com seu repouso. Receberá alimentação sólida apenas pela amanhã, mas o soro vai nutri-la de forma satisfatória até lá.
Heidi esboçou um sorriso desanimado.
— Ótimo, porque estou cansada de me sentir péssima.
Emily a fitou com simpatia.
— Nesse meio tempo, descanse e aproveite esse período. Fecharei a porta para diminuir um pouco o barulho. Às vezes isto aqui fica uma loucura no horário de visitas.
Em seguida, Emily voltou à sala de enfermagem e co­meçou a tomar notas no registro médico da sra. Detrich. Precisava ficar atenta a qualquer mudança, mesmo as su­perficiais como febre leve ou pressão um tanto alta.
Susan Hathaway saiu de um outro quarto naquele mo­mento. Seu rosto tenso demonstrava que estava exausta.
— Pensei que tivesse ido para casa. — Emily observava a médica de cinquenta e um anos sentar-se a seu lado e anotar instruções em uma ficha.
— Quem me dera, Emily... Ainda tenho uma recepção cheia de gente doente para ver antes que possa dar o dia por encerrado.
— Por falar nisso, está aceitando novos pacientes?
— Claro, minha agenda não fica sempre lotada. Por quê?
— Gostaria de fazer uma consulta.
— De rotina ou emergência?
— Rotina. Vou pedir que o dr. Ferguson lhe mande meu registro médico.
A dra. Hathaway encarou-a. Seus olhos estreitaram-se, como se estivesse ponderando a razão para a mudança de profissional.
Estou grávida — Emily murmurou num tom de voz que só pôde ser ouvido por Susan.
Entendo... Fale com minha secretária, e ela marcará meu primeiro horário vago para você.
Obrigada.
Susan levantou-se e esticou os braços atrás da cabeça ara eliminar um pouco da tensão.
— Chame-me quando o restante dos exames de laboratório da sra. Detrich chegarem. Você sabe o número do bip.
Emily assentiu e foi ver a nova paciente, Dolores Gonzales.
  Como vai? — perguntou à bela morena.
  Tudo bem, acho. Sabe quando o dr. Patton vai chegar para minha cirurgia?
— A operação está marcada para o meio-dia, portanto, a senhora não terá de esperar muito.
A sra. Gonzales segurou com firmeza a mão do marido.
— Estou tão nervosa sobre isso... E se não funcionar?
Pelos registros médicos, Emily soube que Dolores sofria de cervicite, por isso tivera a gravidez interrompida duas vezes antes. Para prevenir que isso acontecesse com o ter­ceiro bebê, Willian queria intervir. Como a gestação estava na décima-quarta semana, aquele era o momento exato.
— Não precisa se preocupar, sra. Gonzales. Garanto que é uma intervenção bastante simples, e o dr. Patton é muito bom no que faz. Ele só vai cuidar da inflamação e fazer uma pequena sutura, que manterá a bolsa amniótica no lugar, impedindo-a de romper-se antes da hora.
— Se eu perder este bebê... não sei se poderei aguentar isso outra vez.
— Sei que é muito desagradável, mas não perca as es­peranças. Garanto que o procedimento funciona muito bem para ajudar mulheres com seu tipo de dificuldade.
Dolores assentiu.
— Foi o que o dr. Patton disse. Porém, acho que preciso ouvir mais algumas vezes antes de me convencer.
— Isso é compreensível. Por acaso teve alguma cólica forte ou sangrou nos últimos tempos?
Aqueles sintomas contra-indicariam qualquer tipo de cirurgia.
Não.
— Isso é bom. O dr. Patton deve ter lhe dito que evitasse qualquer tipo de atividade sexual.
O casal trocou um olhar cúmplice, e logo depois os lábios de Dolores curvaram-se num sorriso desajeitado.
— Sim, e isso foi tão estranho... Primeiro, tivemos de fazer tantas vezes para que eu ficasse grávida, e agora que consegui, precisamos parar.
— Não parece justo, não é? — Emily comentou, com sim­patia. — Entretanto, quando estiver com seu bebê nos bra­ços, garanto que toda essa frustração terá valido a pena.
Dolores assentiu.
— Voltarei daqui a pouco para checar como está.
Willian chegou, parecendo mais bonito do que nunca com sua calça, camisa branca e gravata de seda. Ao vê-lo, Emily não conseguiu evitar que seu coração se acelerasse, mas, no instante seguinte, passou a considerar irritante aquela aparência máscula, sobretudo por afetá-la tanto.
— Olá, Emi.
— Doutor... — ela respondeu, evitando encará-lo. Willian ergueu uma sobrancelhas.
— Não dormiu muito bem na noite passada?
"Como ele pode saber?", ela pensou, contendo um suspiro. Já notara os círculos escuros sob os olhos na última visita ao banheiro. Sua pele também não tinha uma cor muito boa, e as roupas pareciam sempre estar apertadas. Estendendo o braço, entregou a Willian o registro médico da sra. Gonzales.
Não.
— O que há de errado?
— Tudo... Nada.
Emily não se sentia à vontade para falar sobre suas náu­seas, que nos últimos dias haviam tomado proporções cada vez maiores. Jamais imaginara ser uma pessoa tão sensível.
Estivera arrumando desculpas para chegar em casa após o jantar para que sua avó não notasse sua falta de apetite, mas cada vez a estratégia parecia funcionar menos.
— Eu vi Susan Hathaway quando estava chegado — Willian comentou.
Emily não se iludia com o comportamento casual dele. Willian não mencionara o assunto desde a semana anterior, mas era óbvio que estava ansioso para saber se ela já se programara para o exame pré-natal. De certa forma, sentia-se irritada por aquele tipo polido de manipulação.
— Que ótimo...
— Vai fazer exames hoje, Emily?
— Que ocasião seria melhor? Estamos com falta de pes­soal, minha cabeça e meus pés doem, e não posso beber, nem comer. Isso sem contar um certo doutor que não me deixa em paz.
Willian piscou, triste pelo tom rude daquelas palavras, e isso a fez arrepender-se de seu comportamento.
Desde a ocasião em que sua avó o convidara para jantar, Willian aparecia todos os dias para dizer olá. Até mesmo passara a tarde de sábado com Kevin, passeando pelos ar­redores da cidade e visitando os ranchos nas imediações, à procura de um filhote de labrador.
Emily esfregou as pálpebras com as costas da mão, e deixou os ombros relaxarem, num gesto de desânimo.
— Sinto muito, Will, não deveria atirar minhas frustra­ções sobre você. Sim, eu vi a dra. Hathaway, e ela me aceitou como sua paciente.
— Ótimo! Informe-me qual será seu... — Ele fez uma pequena pausa enquanto outra enfermeira passava ao lado dos dois. — Como ia dizendo, me diga qual será o horário marcado. Organizarei minha agenda de acordo com isso.
Emily ficou tensa.
— Você quer ir?
— Prefere que eu não vá? — Willian a encarou, curioso.
Ele era o pai da criança, Emily lembrou-se. Tinha, por­ tanto, o direito moral de estar presente.
— Não havia pensado nessa possibilidade, Will.
— Eu quero estar lá, Emily. Jamais me perdoaria se não estivesse.
"Claro! Está preocupado com seu filho..."
— Ligarei para você à tarde para passar o horário.
— Combinado, Emily. Como está a sra. Gonzales?
— Tensa. Ela tem medo de perder a criança, como acon­teceu com as outras. Fiz o melhor para encorajá-la.
— Então acho que agora é minha vez.
Willian desapareceu pelo corredor, e retornou dez minu­tos depois.
— Todos os sistemas já estão preparados, Emily. Irei até a ala de cirurgia para verificar se o anestesista está pronto.
Pouco depois, toda a equipe de cirurgia se encontrava a postos.
Quando a intervenção terminou, passava da uma da tar­de, e Emily estava pronta para seu horário de almoço.
É melhor você comer alguma coisa, ou então vai parar no hospital — Molly advertiu-a. — Como Heidi Detrich.
— Eu faria isso se conseguisse manter algo no estômago. Já bebi chá e comi biscoitos de água e sal o bastante para não suportar mais o gosto e o cheiro de qualquer um deles.
— Vem se pesando?
— Sim, e perdi alguns gramas.
— E quando verá um médico?
— Em dois dias, na sexta-feira. Molly aproximou-se mais.
— Como vai indo todo o resto, Emily?
— Se está querendo saber sobre Keyin, meu tio virá a Crossbow no sábado. Acho que ele vai concordar que meu irmão apenas passou por um período ruim, e não é um candidato a se tornar criminoso por isso. Logo, a carreira política de Bert não corre nenhum risco.
— E quanto a Willian?
Emily sorveu um gole de chá.
— Odeio admitir, mas Willian está sendo excelente. Kevin e vovó também gostam muito dele.
— E quanto a você?
— É um bom sujeito.
Na verdade, considerava aquele adjetivo muito insípido para descrevê-lo. Willian era maravilhoso. Conseguira um milagre com Kevin em apenas uma semana. Seu irmão es­tava mais calmo, senhor de si, agindo como se tivesse al­cançado uma paz de espírito que jamais experimentara antes. Nem parecia o adolescente que parecia uma bomba prestes a explodir.
Celine julgara Willian por ser estruturado e controlado demais, e Emily até concordara com ela. Entretanto, en­quanto Celine considerava essas características como defei­tos, Emily as classificava como qualidades. Se não fosse cuidadosa, acabaria se apaixonando pelo pai de seu filho.
— Sua avó ligou para meu consultório esta manhã — Willian contou a Emily, à tarde, quando saíram do trabalho. Pretendia usar o tempo para relaxar, e dirigia sem rumo pela cidade.
— É mesmo?
— Está bastante preocupada com você. Para ser honesto, eu também estou.
— Sinto-me ótima. E tenho certeza de que a dra. Ha­thaway dirá o mesmo.
— Temos de contar a sua família sobre o bebê.
— Nós faremos isso. No sábado, depois que tio Bert for embora.
— Não vou mesmo convencê-la a fazer isso antes?
Emily meneou a cabeça.
— Não. Não quero deixar escapar nenhuma sílaba a esse respeito antes da visita de titio. Depois que ele estiver convencido de que sua preciosa imagem política não será afetada, creio que desaparecerá por anos. E então tudo ficará mais fácil para nós.
Willian sorriu ao notar o pronome "nós", que ela pronun­ciara quase sem querer. Fazia progressos...
O que foi mesmo que disse que pretendia fazer hoje, Will?
Eu não disse. Na verdade, estava pensando em rap­tá-la, para que me ajudasse a comprar uma casa.
Emily arregalou os olhos.
Como é?
Meu contrato de aluguel acaba no final do mês, e, já que pretendo ficar em Crossbow, adquirir um imóvel me parece uma boa idéia e um bom investimento. Tive medo de que você recusasse, se soubesse antes de meus planos, por isso decidi não revelá-los...
Acertou, eu não teria vindo. — Emily cruzou os braços e mordeu o lábio.
Por que não?
Você está me pressionando.
Willian estacionou em frente a uma imobiliária chamada Texas Homes.
Preferia que eu vivesse em uma tenda, ou em um dos quartos do hospital?
Não seja ridículo!
Não estou fazendo pressão, Emily. Preciso de um lugar para viver. Detesto apartamentos, e recuso-me a morar em um trailer. Tudo isso limita minhas opções a casas ou cavernas. E acredite: lugares frios e úmidos não são os ideais para se viver.
Não conheço seus gostos. Pode ser que não aprecie as mesmas coisas que eu.
Apenas ajude-me a ver o imóvel sob um ângulo femi­nino. Se não gostar de algo, também lhe direi.
Emily passou os dedos pelos cabelos. No fundo, Willian queria ajudá-la a desembaraçar cada mecha, mas não podia fazer aquilo. Não era a hora nem o lugar.
"Em breve", disse a si mesmo. "Paciência e autocontrole são a chave do sucesso."
— O que há de errado com um trailer, Will?
— Vivi em um deles por um ano. Certo dia, uma tem­pestade se abateu sobre nós, vinda do nada. Antes que eu e meu amigo pudéssemos ir até o quintal do vizinho, o vento já havia feito o maior estrago. — Mostrou uma cicatriz perto da têmpora, quase na linha do couro cabeludo. — Isto acon­teceu quando uma das janelas se estilhaçou.
— Tudo bem, vamos encontrar um lugar para você.
Willian tomou a mão dela, afagando-a por alguns ins­tantes antes de sair do automóvel.
Um minuto depois, entravam na imobiliária para encon­trar a corretora Myra Kingsbury.
A primeira visita foi a um belo sobrado com pilares bran­cos na fachada, uma varanda imensa e uma imponente es­cada em caracol no hall de entrada, que possuía um pé-direito muito alto. Do teto pendia um enorme lustre de cristal.
Emily sentiu-se desconfortável diante de tanta imponên­cia. Jamais imaginara que Willian pudesse gastar uma for­tuna numa casa para morar sozinho.
Myra os deixou a sós na sala de jantar.
— O que acha, Emily?
— É linda. Perfeita para espetáculos.
— Tenho a impressão de que você não gostou.
Ela hesitou, mas resolveu dar sua opinião. Afinal de con­tas, fora Willian quem pedira por isso.
— A decoração é maravilhosa, mas acho que é impraticável para uma família. Olhe para o carpete: é branco.
Aquele era o tipo de lugar que Celine teria escolhido. Mas, se Emily comprasse uma residência preferiria uma onde pudesse viver de verdade.
— Não quero contrariá-lo, mas este lugar não é imenso, sendo só para você? Pergunto-me por que um rapaz solteiro precisaria de cinco dormitórios.
— Espaço nunca é demais. Mais alguma observação?
Não...
Willian dirigiu-se a Myra assim que a encontraram na varanda:
— Vamos ver a próxima.
Por volta das cinco e meia da tarde, Emily já estava exausta. Jamais imaginara quantas casas luxuosas esta­riam disponíveis em Crossbow.
Suas amigas viviam no mesmo bairro de classe média onde ela morava, por isso era difícil passar por aquela parte da cidade no caminho para o trabalho ou para as compras.
A despeito do esplendor e da decoração exuberante de todas, nenhuma despertara nela um interesse verdadeiro.
"Nada disso é para você", disse a si mesma ao entrar no carro de Myra mais uma vez para a última visita da lista.
— Baseada em seus critérios, creio que a próxima será a menos indicada — Myra comentou assim que entrou no veículo, virando-se para encarar o casal sentado no banco de trás. — Tem o espaço que o senhor pediu, mas precisa de algumas reformas.
As sobrancelhas de Willian se arquearam.
— De que tipo?
— A maior parte é só decoração. Nada estrutural. Emily notou a expressão duvidosa dele.
— Bem, não vai doer se você checar. Willian deu de ombros.
— Acho que não.
Vinte minutos mais tarde, pararam numa alameda calma e refinada.
        — Essas casas foram construídas na virada do século, e a maior parte delas foi modernizada.
Presumo que essa não foi. — Willian olhava de relance para a construção em estilo neovitoriano.
         — Os proprietários fizeram isso há uns quinze anos. Mas, de qualquer forma, o papel de parede tem de ser trocado. A pintura também está péssima. O sr. Ross morreu cinco anos atrás, e sua mulher não quer arcar com os custos de manu­tenção da propriedade. Ela planeja se mudar para um lugar menor. Como podem ver, os quarteirões desta área têm apenas dois imóveis cada. Quando Crossbow foi fundada, as famílias ricas moravam aqui. Hoje em dia, a localização dará a vocês um ar tranquilo e rural, ao mesmo tempo que poderão des­frutar as vantagens de viver na cidade.
Emily fechou o zíper do casaco ao sair do automóvel, e logo massageou as costas, que doíam demais. Porém, ins­tantes depois, sua atenção concentrou-se na imponência da construção. Caminhou até a porta da frente, tendo a mão de Willian em sua cintura. Myra os acompanhava, poucos passos atrás.
Visitaram todos os aposentos, e Emily se entusiasmou com o estilo do ambiente. Sua mente trabalhava rápido, tentando imaginar como tudo ficaria se ganhasse novas co­res, assim como outros papéis de parede.
Willian a seguiu até a cozinha, onde apoiou-se no batente para observá-la examinar toda a mobília de carvalho.
— Não preciso nem perguntar se você gostou — Willian disse, com um sorriso.
Emily se virou para ele.
— Sou muito transparente, mesmo.
— Esta é uma ótima casa. Entretanto, há muitos pontos a serem considerados.
— Por exemplo?
A redecoração. Teremos que contratar alguém que possa...
Erguendo a mão num gesto imperativo, ela interrompeu-o.
— Pintura e papel de parede não são grande problema. Eu e vovó somos boas nisso, e podemos ajudá-lo.
— O jardim também parece que vai tomar bastante tempo e energia.
— Kevin gosta de trabalhos manuais. Na verdade, ele estava pretendendo fazer alguma coisa no verão, para con­seguir um dinheiro extra. — Emily piscou, sorrindo para Willian. — Tenho certeza de que meu irmão lhe dará um bom desconto.
— Isso me parece bom.
Então, Emily percebeu que estava fazendo planos que não eram de sua conta.
— Não se sinta obrigado a contratar Kevin.
— Eu não me sinto, Emily. 
— E quanto a você? Por acaso gostou daqui?
— Admito que sim. Agrada-me muito não ter vizinhos por perto para ouvir minha voz ou minha televisão. Além disso, o jardim será perfeito para o cachorro. Tem bastante espaço.
— A manutenção desta propriedade não deve ser barata, Wil. Talvez devesse escolher a primeira que vimos. — Emily não conseguia imaginar a glamourosa Celine vivendo ali. Era um local muito antiquado para uma pessoa de gosto sofisticado.
— Aquela com o carpete branco? Sem chance.
— E quanto à outra, com sauna e piscina?
— Não quero ficar preocupado o tempo todo com a pos­sibilidade de alguém estar se afogando.
  Santo Deus! — Por um instante Emily esquecera que seu filho iria passar bastante tempo na casa de Willian. — Bem pensado. Qual vai escolher?
Willian deu um passo à frente.
— A que você tiver gostado mais.
Aquele não era um jogo limpo. Ele não estava sendo justo.
— Gostei de todas.
— Mas deve ter uma favorita.
— Não seja bobinho...
— Você ficou apaixonada por esta.
— É mesmo?
— Posso apostar. — Aproximou-se ainda mais.
Os dois estavam tão próximos que Emily podia sentir o hálito quente que saía dos lábios sedutores de Willian.
— Como sabe?
Ele deu de ombros, tomando as mãos delicadas entre as suas.
  É difícil explicar.
  Tente.
Emily procurava se concentrar na conversação, ignorando o afago dele, mas não conseguiu.
Enlaçando-a num abraço, Willian encarou-a.
— Vejo isso em seus olhos.
Quase hipnotizada, Emily lembrava-se claramente da ou­tra ocasião em que estivera naqueles mesmos braços.
  Não diga...
  Digo, sim. Eles brilham. E seu rosto... — Acariciou-a com o indicador.
Emily começou a ficar tensa demais. Cada nervo parecia gritar para que Willian continuasse.
  O que tem o rosto?
  Fica ainda mais bonito como está agora. — Ao dizer aquilo, tocou os lábios carnudos. — Essa é outra pista.
O tempo pareceu parar, e ambos fitavam-se com a res­piração suspensa.
— Você é linda.
Em seguida, Willian beijou-a, mais possessivo do que gentil. Quando ergueu a cabeça, via-se em seu semblante a mes­ma paixão que consumia Emily por dentro.
É assim que eu sei, querida.
Já chegaram a uma decisão? — A voz animada de Myra, do outro lado da porta, fez todo o ardor de Emily evaporar.
Tentou desvencilhar-se, mas Willian manteve-a junto a si. Não dava a mínima por ter sido surpreendido em um momento romântico.
E, pelo sorriso compreensivo de Myra assim que os viu, aquela novidade logo se espalharia pelos quatro cantos.
Um pensamento desagradável passou pela mente de Emi­ly: será que Willian a beijara de propósito? Teria ele espe­rado pela aparição de Myra para alimentar um boato que deveriam evitar a todo custo?
Precisarei de alguns dias para tomar uma decisão — Willian afirmou.
Sem problemas. Qualquer uma das propriedades será um maravilhoso lar para uma família. Apenas me informe qual vai escolher, e eu cuidarei dos papéis.
Durante a volta, os pensamentos de Emily retornaram ao beijo. A excitação que experimentara nos braços de Wil­lian na noite do baile não diminuíra com o tempo.
Precisara daquele encontro para exorcizar os fantasmas relacionados a Don, e alcançara seu objetivo. Entretanto, ainda não conseguira lidar com os resultados do que houvera, como imaginara ser capaz de fazer. Embora tivesse procurado negar, a partir de então um cordão invisível a ligara a Willian. Mesmo antes que soubesse da própria gravidez.
Como poderia passar tanto tempo com ele sem sofrer as consequências emocionais?
Emily queria viver naquela casa com ele. Não podia ima­giná-lo dividindo aquele espaço com outra mulher. Sim, Wil­lian sugerira que se casassem, mas pelos motivos errados.
Emily desejava ouvi-lo dizer coisas diferentes. Queria sentir-se a pessoa mais importante da existência daquele ho­mem. Nada menos que isso.
Quando o automóvel parou, Emily virou-se para encarar Willian, mantendo a mão na maçaneta.
— Se não se incomodar, vou dizer boa-noite aqui mesmo. Estou exausta.
— Só entrarei um instante para dizer alô a Kevin.
Cumprindo o prometido, Willian não demorou-se muito na visita. Em quinze minutos, Emily acompanhou-o até a saída, onde beijaram-se de novo. Porém, dessa vez, os lábios se encontraram apenas por um segundo, e o fogo da paixão que haviam experimentado não se repetiu.
  Durma bem, Emily.
  Eu dormirei.
         Willian a estudou, atento.
  Você está bem?
Emily sorriu diante daquela questão que já estava se tornando familiar.
  Estou ótima, apenas cansada. — Preferia não men­cionar a dor nas costas.
  Certo. Vejo-a amanhã.
Apesar de ainda ser cedo, Emily tomou uma caneca de chá e foi direto para a cama, exaurida. Mas, por volta da meia-noite, um forte enjôo acabou obrigando-a a despertar.
Correu para o banheiro sentindo uma pontada no abdome. Quando o desagradável ataque de náusea diminuiu, encostou-se na parede, sentada no chão, incapaz de se mover.
Ellen apareceu à porta.
  O que está errado?
  Problemas com o estômago, vovó.
Mal percebeu as mãos frias de Ellen tomando sua temperatura.
— Vou chamar Willian.
Emily assentiu. Ele saberia o que fazer.
"Oh, meu Deus, não me deixe perder este bebê!"

CAPÍTULO VI

Willian atendeu ao telefone, ao mesmo tem­po que esfregava os olhos.
Sim?
A entonação preocupada de Ellen atingiu-o em cheio, fazendo-o sair de imediato daquela letargia.
— Emily está doente, Will. Não sei o que há de errado... Pode vir até aqui?
Dê-me apenas alguns minutos.
Willian vestiu uma calça jeans, uma velha camiseta de um time de beisebol e um par de tênis, em tempo recorde. Ignorando a própria aparência refletida no espelho, apanhou as chaves do carro e desceu para o estacionamento.
Logo freou em frente à casa dos Chandler, e encontrou Kevin esperando-o à soleira.
— Vovó está no quarto de Emily — o rapaz disse, com os cabelos em desalinho e os olhos inchados pelo sono.
Com passos largos, Willian caminhou até o aposento dela. Ao colocar a mão em sua testa, ficou chocado ao perceber a alta temperatura.
— Eu a ouvi vomitando — Ellen revelou, preocupada. — Mais tarde, quando a ajudei a vir para cá, ela se queixou de dor nas costas.
Willian inclinou-se sobre Emily.
Há quanto tempo está sentindo isso?
Começou ontem, e foi piorando.
Mostre-me onde dói.
Emily virou-se de bruços, indicando uma região pouco acima do quadril.
Costuma doer quando você vai ao banheiro para urinar?
Um pouco. — Tentou sorrir.
Vou levá-la para a emergência — Willian pensava num diagnóstico possível. — Pode caminhar ou devo chamar uma ambulância?
Emily mordiscou o lábio.
  Posso andar. - Willian dirigiu-se a Ellen:
  Onde fica o telefone?
  Na cozinha.
Após ligar para Susan Hathaway e para o hospital, Wil­lian retornou, encontrando Emily sentada na beira da cama.
— Venha conosco se quiser, Ellen.
A anciã aproximou-se de Kevin, que estava parado ao batente.
— Nós vamos esperar aqui. Kevin tem aula amanhã de manhã, por isso ele deve tentar dormir um pouco.
— Ligarei assim que soubermos de alguma coisa. E não se preocupe, Kevin. Sua irmã ficará bem.
O medo estampado nas feições do garoto diminuiu, e ele assentiu com um gesto de cabeça.
Notando a debilidade dos movimentos de Emily, Willian ajudou-a a chegar ao carro.
Em instantes, eles eram recebidos no hospital por um membro da equipe médica, que os aguardava com uma ca­deira de rodas e levou Emily para a sala de exames.
— A dra. Hathaway já chegou? — Willian perguntou para uma enfermeira que estava no meio do hall.
  Não, doutor.
  Onde está o médico de plantão?
  O dr. Radcliff está atendendo alguém agora. — As sobrancelhas da moça arquearam-se. — Essa jovem não é sua paciente?
  Não.
  Entendo...
Willian assumiu o controle da situação.
Quero uma cultura bacteriana, análise química, exame e cultura de urina e de sangue. Já!
Mas se ela não é sua paciente...
Apenas faça isso. A dra. Hathaway também vai querer o que pedi, então vamos poupar algum tempo, certo?
As portas automáticas se abriram, e Susan Hathaway entrou. A enfermeira, hirta, viu-a se aproximar.
— Vá! — Willian ordenou em seu tom mais autoritário.
A enfermeira lançou-lhe um olhar desconfiado, mas acabou obedecendo.
Susan encarou-o, com seriedade.
— Está discutindo com a equipe, Will?
— Não, Susan. Apenas estava tentando convencê-la de que você iria querer os resultados dos exames de laboratório o mais depressa possível.
— Ah, é? E o que eu vou querer?
— Cultura bacteriana, análise química, cultura de urina e tudo o mais.
Parece que cobriu todas as possibilidades.
Emily está grávida.
Isso ela já me disse, Will.
E está com uma dor forte na região intercostal. Sua temperatura subiu para trinta e nove graus, e apresenta náusea e vômitos. Meu diagnóstico preliminar é cistite, com­plicada pela desidratação.
Será que posso examinar minha paciente, ou apenas devo acreditar no que diz? — a médica indagou, com certo sarcasmo.
Willian sorriu, sem graça.
Desculpe-me.
Entretanto, se não é o médico de Emily, ou um membro da família, não posso discutir o caso com você.
Eu sou o pai da criança.
O sorriso da dra. Hathaway deixava transparecer uma fina ironia.
— Por que será que não estou surpresa? — Afastou-o com um aceno. — Vamos lá, dr. Papai, deixe-me ver se concordo com seu diagnóstico.
Willian permaneceu discreto num canto do quarto, en­quanto Susan examinava Emily e a questionava sobre sua saúde nas últimas semanas. Por fim, expressou-se:
— Ainda não tenho os exames laboratoriais para confirmar, mas acredito que você está sofrendo de uma infecção urinária.
As pálpebras de Emily baixaram-se, como se ela estivesse fazendo uma prece silenciosa de agradecimento.
Quer dizer que posso ir para casa?
Em outra situação eu diria que sim, mas, por causa de seus enjôos terríveis, a resposta vai depender do eletrólito.
E quanto ao bebê?
É provável que esteja bem. — Susan tomou-lhe a mão. — Vou checar no laboratório, e estarei de volta assim que tiver os resultados.
Logo que ficaram a sós, Willian voltou para o lado da cama. Segurou-lhe os dedos e afagou-lhe o rosto.
— Sente-se melhor, Emily?
Ela fez um gesto afirmativo, mantendo uma expressão séria, ao ajeitar-se na maca.
Obrigada por estar aqui, Will.
Por que não me contou que não andava bem, Emily? Se eu soubesse, não a teria levado para ver aquelas casas hoje à tarde.
Tenho estado mal há tanto tempo que alguns sintomas a mais não faziam diferença.
Falo sério. Conte-me qualquer coisa diferente da pró­xima vez.
A ordem provocou o bom humor de Emily.
  Sim, mestre.
         Willian achou graça.
  Ei! Gostei da forma como disse isso.
  Sei que gostou.
Susan Hathaway retornou, mas, apesar de sua presença, a demonstração de afeto de Willian não foi interrompida, que continuou afagando Emily.
Emily, a análise de urina e os exames de sangue por enquanto confirmam minhas suspeitas. Apesar de as cul­turas só ficarem prontas pela manhã, começarei a tratá-la com antibióticos. De modo geral, recomendo a meus pacien­tes que bebam muito líquido, porém, já que sua situação está agravada pelo enjôo, vou administrar-lhe soro. De acor­do com os exames de sangue, você está muito desidratada.
Por quanto tempo terei que ficar aqui, doutora?
Até que tudo esteja sob controle. Talvez por alguns dias.
Adiantaria alguma coisa se eu reclamasse?
— Não! — Willian decretou, sucinto.
Susan sorriu para o colega.
— Aí está sua resposta, minha cara. Voltarei a examiná-la pela manhã.
Susan deixou-os a sós para cuidar dos documentos de admissão.
Willian permaneceu ao lado de Emily até que ela fosse instalada em um dormitório particular na ala da maternidade.
— Telefonarei para sua avó. Quero apanhá-la pela manhã para que Ellen lhe faça uma visita logo que Kevin for para a escola.
— Muito obrigada, Will. — Emily baixou as pálpebras pesadas de sono.
Então, Willian inclinou-se sobre a cama, beijando-a de leve nos lábios.
— Não se preocupe com nada, Emily.
Combinado.
Com relutância, Willian deixou-a, consciente dos olhares cu­riosos das poucas enfermeiras que estavam no turno da noite, e então decidiu encará-las, esperando que assim o interesse das mulheres em sua vida particular diminuísse. As mais próximas logo viraram a cabeça em outra direção, mas Willian sabia que o boato iria se espalhar logo que virasse as costas.
Aquilo era inevitável, mas ele esperava que Emily pu­desse suportar os comentários e as especulações que decerto iriam se seguir.
— Onde está minha sobrinha?
A trovejante voz masculina vinha da recepção, interrom­pendo a conversa de Emily com a avó. Passava das dezenove horas, mas Emily ainda sentia-se surpresa pelo quanto me­lhorara depois de dormir por quase todo o dia.
Lembrava-se de ter visto Willian várias vezes, mas ape­nas notara sua presença antes de voltar à inconsciência.
— Alguém está fazendo um barulho e tanto — Ellen comentou. — Alguém devia dizer a ele que está em um hospital.
Emily sorriu.
— As pessoas não percebem como o som se propaga por esses corredores. Sabe, vovó, esse tom me lembra... Meu Deus, você não acha que é...
— Claro que não, querida! Eu liguei para seu tio e pedi que não viesse neste final de semana porque você está doente.
Contudo, pode ser que tio Bert tenha resolvido vir de qualquer maneira.
Ellen colocou o bordado no colo, analisando a possibili­dade. Levantou-se em seguida e caminhou até a porta, para olhar para fora. Quando voltou a virar-se em direção ao leito, suas feições revelavam tanto espanto quanto horror.
— É Bert! — Recuou, assustada.
— Titio deve ter passado em casa, e Kevin informou que estávamos aqui. — Emily respirou fundo, para se acalmar. — Certo. Nada de pânico, pois tudo está sob controle.
Lutando para organizar as idéias, Emily ajeitou os ca­belos e rezou para que sua aparência estivesse melhor do que na véspera.
No entanto, o que seu tio poderia esperar? Ela estava internada, afinal de contas, e não se preparando para um baile de gala.
Poucos instantes se passaram antes que Bert Chandler entrasse com sua aparência autoritária. Era muito alto, com mais de um metro e noventa, e vestia um terno sob medida, de uma fina casimira cinzenta. A gravata de seda verde e os sapatos lustrosos completavam sua aparência impecável.
O tom grisalho dos cabelos muito bem penteados lhe con­feria um ar distinto. Era a figura de um homem de negócios bem-sucedido.
Bert encarou Emily antes de dirigir-se a sua avó:
Ellen, que bom vê-la. — Como sempre, não soava nem um pouco sincero.
Você recebeu minha mensagem?
Sim, mas, como estava mesmo passando por aqui, de­cidi parar para uma visita. Não imaginei que sua doença fosse tão séria, Emily. Fiquei surpreso quando Kevin me disse que estava no hospital.
Uma infecção como a minha pode ser delicada de se tratar, tio.
Tenho certeza de que sim. Sobretudo se levarmos em consideração seu estado delicado.
O medo fez o coração de Emily acelerar, porém, mesmo assim ela fingiu ignorância.
A respeito de que está falando?
De sua gravidez. Por acaso achou que eu não acharia esquisito o fato de estar internada na ala da maternidade?
Emily decidiu blefar. Não tinha nada a perder, mesmo...
Pessoas doentes são acomodadas na primeira cama que estiver à disposição, independente do diagnóstico. Eu também poderia estar na unidade de cirurgia.
Vamos lá, Emily, eu não nasci ontem. E de qualquer forma, uma enfermeira confirmou minhas suspeitas.
Quem? — Ela tentava ganhar tempo. Mais tarde, sua supervisora iria ouvir sobre aquela quebra do direito do paciente ao sigilo.
Bert ergueu a mão.
— Isso não importa, não é? Mas, mesmo assim, vou explicar. Logo que a recepcionista me deu o número de seu quarto, reconheci a ala e comecei a imaginar coisas. Quando indaguei como você e o bebê estavam, uma jovem me assegurou que não devia me preocupar, visto que estava melhorando e não tinha perdido a criança.
Bert iria se dar muito bem na carreira política. Ele sabia manipular os outros com maestria para conseguir as infor­mações que desejava obter. Talvez devesse ter escolhido a carreira de detetive particular.
Você não tinha nenhum direito...
Tenho todos os direitos do mundo, Emily. Ainda mais depois que fiquei sabendo da recente façanha de Kevin no colégio.
O quê? — Emily ficou furiosa o bastante para pensar em tomar satisfações com o conselheiro da escola.
Isso não importa. Estou muito preocupado com a qua­lidade da educação que meu sobrinho está recebendo. Quer eu goste, quer não, suas atitudes refietirão em minha imagem.
Isso não é verdade, titio. Você não é o tutor dele.
Esse é um detalhe que será retificado com extrema facilidade. Eu não estaria cumprindo meu dever se não co­locasse Kevin na linha, apesar de ter poder para isso.
Emily queria discutir, mas cerrou os dentes, forçando-se a manter a fleuma.
Meu irmão não está fazendo nada de mais.
Essa é sua opinião. Brigando com os colegas, bancando o insubordinado com os professores, e ainda por cima sob suspeita de roubo.
Roubo? — Emily e Ellen repetiram ao mesmo tempo.
É isso, o que vem provar meu ponto de vista. Vocês duas estão vivendo com o rapaz e nem mesmo sabem disso. O que mais será que está acontecendo bem a sua frente en­quanto você... — O olhar dele encontrou o de Emily. — ...está andando por aí com Deus sabe quem? Bem, pelo menos nós podemos dizer que sabemos o que você estava fazendo.
Emily engoliu em seco, e Ellen ficou pálida.
Que tipo de exemplo está dando, Emily?
Basta! — Willian surgira à soleira, sem que ninguém notasse. — Não vou permitir que perturbe os pacientes!
A intervenção daquela figura máscula e poderosa levou algum alento para Emily. Bert virou-se assim que Willian aproximeu-se.
— Você deve ser o dr. Hathaway.
  Não. Sou o dr. Patton.
  Dr. Patton, estamos tendo uma conversa de família. Se Emily acha o assunto estressante, ela é a única que tem do que se culpar.
  Está errado — Willian retrucou com segurança.
  Como pode saber sobre isso?
  Porque conheço Emily. Ela está doente, e não precisa de nenhuma pressão neste momento.
  Sinto muito. Mas o próprio estado de minha sobrinha é prova de que ela não é capaz de guiar o futuro de um jovem. Entrarei com uma petição para conseguir a custódia de Kevin amanhã mesmo, e acredite-me: vou vencer.
Emily colocou os cobertores de lado, ignorando que vestia apenas uma camisola, e começou a se levantar. Parou ape­nas quando as sondas do soro em seu braço a incomodaram.
Willian a fez voltar a se acomodar.
— O que acha que está fazendo?
— Estou me dando alta. Willian não a soltou.
— Por quê?
— Preciso ver meu advogado. Agora, por favor, me deixe em paz!
Willian meneou a cabeça.
— Esqueça essa loucura. Vai ficar nesse leito, e eu cuidarei de tudo.
Emily encarou-o, indecisa. Deixar o destino do irmão nas mãos de Willian era arriscado. Ele podia até se preocupar com os interesses de Kevin, mas Emily não esperava, nem queria, vê-lo lutando suas batalhas.
— Tudo vai dar certo — Willian murmurou, com um sorriso encorajador.
Emily sentia-se exaurida.
Certo, Will.
Não sei quem você é, rapaz, mas isso não é de sua conta.
Emily está esperando meu filho, e tudo o que diz res­peito a ela e seus familiares também é problema meu.
Se não estivessem bem no meio de uma crise, Emily teria dado uma gargalhada diante da expressão atônita de Bert Chandler.
— Agora, vamos discutir isso em outro lugar. — Willian apontou para a porta.
Chandler olhou de relance para a sobrinha.
— Vocês dois estão namorando?
Emily fez que não, evitando o olhar de Willian.
Estão noivos?
Não.
Mais uma vez, a voz trovejante de Bert dominou o ambiente:
— Então, mantenho minha posição. O fato de terem um caso não torna a situação de Kevin melhor.
Lutando para manter o autocontrole, Willian apontou para a porta. Não queria ver Emily preocupada, e, quanto antes acalmasse aquele homem, mais rápido ela relaxaria.
— Saia do quarto.
Chandler seguiu-o até uma sala vazia no final do corredor.
O que você tem a dizer em sua defesa? — Bert cruzou os braços.
Não tenho de explicar a ninguém minhas atitudes ou as de Emily. De qualquer forma...
Pare com essa conversa fiada, Patton! Quero saber quais são suas intenções. Planeja se casar com minha so­brinha ou vão continuar vivendo em pecado?
Não estamos vivendo juntos, e nunca vivemos. Já pedi Emily em casamento, mas ela recusou.
Mas não vai recusar agora. Se quiser que eu esqueça toda a idéia de requerer a guarda de Kevin, minha sobrinha não desgraçará o nome dos Chandler.
Avaliando o ponto de vista egoísta de Bert, Willian teve de morder o lábio inferior. O homem estava mais preocupado com um potencial embaraço que se refletisse em sua imagem do que com o bem-estar de seus parentes. Se a vontade de ambos não caminhasse para a mesma finalidade, o matri­mônio, Willian nem mesmo conversaria com Bert.
— Direi isso a Emily.
Como já a advertira antes, na certa não seria uma completa surpresa. Mas, sabendo como Emily se sentia sobre o casamento, a ameaça de Chandler podia ser um remédio muito amargo para se engolir.
Mas forçá-la não é o caminho.
Emily tem uma escolha.
A frase de Bert, lógico, tinha duplo sentido.
Claro. Ou ela se casa, ou perde o irmão que tanto ama. Parece-me mais um ultimato.
Pode ser, mas não quero ver o filho de meu irmão cres­cendo para ser um futuro marginal em uma prisão do Estado.
Será que não está exagerando? Kevin apenas se en­volveu em uma briga. Não estava vendendo drogas nem portando armas na escola. E, além disso, nunca foi preso.
Uma vida de crimes começa de alguma forma, Patton. Você não tem que gostar de meus termos, nem Emily. Ape­nas certifique-se de que ela saiba que isso é muito impor­tante para mim.
Emily sabe.
Naquele momento, tudo o que Willian queria era salvar Kevin da influência daquele déspota. Por um instante, imaginou como a vida de todos seria diferente se tivesse concordado com a proposta de Emily no baile de Natal. Teriam evitado muitos problemas. Entre todos, o desagradável Bert Chandler.
Bert tornou a cruzar os braços.
— Minha sobrinha não está bem, por isso serei generoso. Têm trinta dias para se casar, ou então irei resolver o assunto a minha maneira.
"Trinta dias?" Willian imaginou qual o prazo que teriam se Bert Chandler não fosse generoso.
— Não poderemos planejar nada em período tão curto. Recuso-me a privar Emily do tipo de casamento que ela deseja.
Conhecendo-a, Willian sabia que ela não gostaria de um evento luxuoso. De qualquer forma, Chandler não precisava saber disso.
O homem arqueou as sobrancelhas, como se considerasse o ponto de vista de Willian.
— Seis semanas, Patton. É minha oferta final.
Sentindo que a benevolência de Bert havia chegado ao limite, Willian concordou.
— Vamos nos manter em contato durante esse período — Chandler advertiu-o. — Por isso, diga a Emily que quanto antes legalizarem sua união, mais rápido se livrarão de mim.
— Tudo bem. Mas agora também tenho uma condição.
— É mesmo, doutor? Não diga!
As feições de Willian permaneceram impassíveis.
— Uma vez que estivermos casados, você não vai inter­ferir com Kevin, a não ser que ele peça sua ajuda.
— Agora veja bem...
— Para sempre. Chandler piscou, surpreso.
— Para sempre?
— Não poderá mudar de idéia daqui a um ano ou dois, Chandler. O que acontecer com Kevin não será de sua conta, a não ser, como eu disse, que ele peça sua interferência primeiro.
Bert hesitou por um breve momento.
— Se é assim que você deseja...
— É.
Uma pausa tensa envolveu os dois por um instante, e mais uma vez foi o tio de Emily quem quebrou o silêncio.
— Para ser honesto, não posso dizer que o invejo, Patton. Conheceu Emily, por isso já deve saber como as mulheres Chandler são cabeças-duras. — Um sorriso estranho curvou-lhe os lábios. — Manterei contato — murmurou, antes de caminhar em direção ao hall de elevadores.
Entretanto, assim que Bert foi embora, a vitória de Wil­lian começou a perder o sentido. Queria que Emily se casasse com ele porque desejava isso, e não porque era obrigada.
Embora não tivesse admitido antes, seus sentimentos em relação àquela mulher estavam se tornando cada vez mais profundos.
Uma enfermeira aproximou-se com a ficha médica de um paciente na mão.
— Desculpe-me, dr. Patton. A sra. McGuire está com contrações, e bastante dilatada.
  Irei até lá em um minuto.
  A bolsa já se rompeu.
Contendo um suspiro, Willian seguiu-a. Emily teria de esperar.


— Sinto muito que tenha descoberto sobre o bebê dessa maneira, vovó. — Emily, muito nervosa, torcia o lençol entre os dedos.
  Estava começando a desconfiar, querida. Emily ergueu a cabeça para encarar a avó.
  Estava?
A anciã sorriu.
— Ora, não esqueça que já sou uma mulher madura! Conheço os sinais. Para ser franca, fiquei aliviada por o pai ser Willian, e não Don Springer.
— Então não está zangada comigo?
Ellen deu de ombros.
  Desapontada, talvez. Adoraria que tivesse um belo casamento em junho, antes de o bebê chegar.
  Não estou certa de que isso vai acontecer. Tio Bert deve estar agora mesmo negociando um acordo com Will relacionando o futuro de Kevin e nosso casamento.
— Acho que sim. — Ellen voltou a apanhar o bordado.
O olhar de Emily parecia perdido no vazio.
— Posso até mesmo ouvir Willian dizendo a tio Bert como eu recusei sua proposta de casamento. Agora acho que serei forçada a aceitar.
Desviando mais uma vez a atenção de seu trabalho ma­nual, a anciã encarou a neta.
E isso seria tão ruim assim? Willian é um rapaz ótimo, de maneiras adoráveis, e é também uma pessoa muito mais fina do que Don jamais seria.
Acha mesmo? — Ellen arregalou os olhos.
Sem sombra de dúvida. Você não concorda?
Emily suspirou. Tinha de admitir que, apesar do pouco tempo que se conheciam, Willian exibira mais caráter no dedo mínimo do que Don possuía em seu corpo inteiro.
— Sim, mas não sou a mulher que Willian deseja, vovó. Ele sonha com uma vida social de primeira classe, ao lado de uma esposa glamourosa. Não me encaixo nesse modelo.
Que bobagem! Você não sabe disso. Nem mesmo tentou.
A verdade doía. A voz de Emily transformou-se quase num sussurro:
— Quando Will perceber o que teve de desistir para se casar comigo, vai me deixar, e isso acabará comigo.
As palavras ficaram pairando no ar por alguns instantes, antes que Ellen voltasse a falar:
Isso quer dizer que você o ama?
Willian é uma pessoa muito especial. Não sei ainda se o que estou sentindo é amor ou apenas admiração. Com toda essa confusão envolvendo tio Bert...
Por mais um longo momento, Ellen se manteve em silêncio.
Se está tão apavorada com a possibilidade de se com­prometer com Willian, então, santo Deus, não faça isso! Kevin vai sobreviver. Apesar de todos os defeitos de Bert, acho que ele se importa de verdade com o que acontece com o sobrinho.
Não, vovó. Preferia me casar com Átila, o rei dos hunos, antes de deixar Bert levar meu irmão.
Um sorriso divertido curvou os lábios da velhinha.
— Quer dizer que está colocando Willian na mesma categoria que Átila?
— Não. — Emily sorriu. — Estou apenas fazendo um comentário.
Ellen terminou outra carreira de pontos.
  Você mencionou que Willian deseja uma mulher de sociedade. Sou experiente o bastante para lhe afirmar que os homens nem sempre sabem o que eles mesmos querem.
  Willian sabe.
  Pode ser. Mas, na maioria das vezes, nós, mulheres, é que os guiamos na direção que queremos. O truque é fazê-los pensar que tiveram a idéia em primeiro lugar.
— Era assim que fazia com vovô?
Ellen piscou, matreira.
— Evidente que nem sempre alcancei cem por cento de sucesso, porém, as coisas funcionavam da maneira que eu queria. Isso me faz lembrar de uma ocasião, quando eu es­perava sua mãe. Desejava que nosso lar fosse pintado por dentro e por fora. Seu avô, é claro, estava mais interessado em arrumar o estábulo. Em vez de discutir, na semana se­guinte comecei a conversar com ele sobre como nos sentiríamos felizes com a companhia do bebê. Na verdade, limpei cada centímetro daquela residência. Pensando no bebê, lógico.
É claro...
De qualquer forma, os quartos ficaram impecáveis, com cortinas novas, roupa de cama, de banho, tudo novinho. Uma vizinha chegou até mesmo a me ajudar a lavar as paredes. As coisas foram acontecendo. Então, começamos a trabalhar no jardim. Plantamos flores e arbustos. Quando estávamos quase terminando, Clen notou como a pintura destoava de todo o resto. A próxima coisa de que me recordo é dele indo direto para o estábulo e voltando com as latas, rolos e pincéis para começar o serviço. Quando sua mãe nasceu, tudo estava limpo e brilhante como uma moeda de prata.
Ellen fez uma ligeira pausa, e emendou com confiança:
— Portanto, como pode ver, minha cara, os homens podem ser guiados.
Por um instante, Emily considerou o comentário.
Então está querendo me dizer...
...que Willian pode achar que quer uma mulher de alta classe, mas pode convencê-lo do contrário, querida. Namoros servem para esse tipo de coisa. Tem de persuadi-lo a acreditar que você é a companheira de que ele deseja e precisa.
As táticas da anciã pareciam tão simples...
Não sei se vou conseguir.
Não saberá se não tentar.
Emily ponderou por um momento. Gostaria de ser a es­posa que Willian procurava. Mesmo antes de seu encontro no baile de Natal, já se sentira atraída por ele. Será que seu bebê não merecia que tentasse vencer o desafio que a avó lhe fizera?
Endireitou a espinha.
— A senhora está certa, vovó. Quem não arrisca, não petisca.
Ellen guardou seu bordado na bolsa a seus pés.
— Boa garota! Agora, é melhor eu ir embora e checar como está Kevin. Voltarei mais tarde.
— Hoje é sua noite de bridge, por isso não precisa se preocupar comigo. A dra. Hathaway afirmou que terei alta amanhã.
Ellen hesitou, como se considerasse o que fazer.
— Bem, se estiver mesmo se sentindo melhor... — Sorriu em seguida, lembrando-se de algo. — Tenho certeza de que Willian não vai deixá-la sozinha por muito tempo.
Nos quarenta e cinco minutos seguintes, Emily consultou várias vezes o relógio, aguardando a chegada de Willian. Na certa, a conversa dele com Bert não demorara tanto. Talvez estivesse assistindo algum paciente.
Sua suspeita confirmou-se pouco depois, quando uma das assistentes chegou com a bandeja do jantar. Apesar de con­tinuar sem nenhum apetite, Emily forçou-se a tomar sopa e comer algumas bolachas. Afinal, aquela seria sua primeira refeição em vinte e quatro horas.
Mais uma hora se passou. Incapaz de aguentar o suspense, Emily se levantou, retirou do braço a sonda do soro e vestiu o robe, caminhando até a porta.
Quando chegou à ala das enfermeiras, viu que Willian estava parado no balcão, fazendo algumas notas em um registro. Parecia exausto, depois de uma cirurgia.
Apressou o passo para encontrá-lo, tomando cuidado para não esbarrar em duas mulheres muito bem vestidas, que passavam pelo corredor.
— Olá, Will.
Ele virou, de imediato.
Você deveria estar em pé, andando por aí?
Não sou uma inválida.
Acho que não. — Ele sorriu.
Uma senhora que acabara de passar estacou e olhou direto para Willian.
— Eu o conheço — ela murmurou.
Vestia um conjunto que devia ter custado mais caro que todo o guarda-roupa de Emily. Os cabelos grisalhos tinham sido pen­teados num estilo clássico, e sua maquiagem era impecável.
  Desculpe-me, mas...
  Eu nunca teria acreditado se não tivesse visto por mim mesma. Você é aquele rapaz... Patton, não é?
A expressão de Willian era de expectativa.
— Sim, senhora, sou eu.
A mulher aproximou-se alguns passos, prestando atenção ao nome marcado no crachá.
  Você é um médico?
  Sim.
  Santo Deus!
Virou-se para sua acompanhante.
— Espero que esse homem não seja o responsável pelos cuidados a minha sobrinha, Mary.
Mary, que era parecidíssima com a irmã, ainda que al­guns anos mais jovem, demonstrava estar tão espantada quanto Emily. Entretanto, pelo jeito não possuía o mesmo temperamento difícil da outra.
  Nelda, não faça uma cena.
  Pois sim! — Nelda desafiou. — Conheço esse homem muito bem, e não vou permitir que se aproxime de minha sobrinha, e você devia pensar o mesmo.
Emily foi incapaz de conter sua indignação.
— O dr. Patton é um de nossos melhores médicos, senhora.
Nelda mediu-a com um olhar, considerando-a petulante por discordar de sua opinião.
Está completamente enganada, minha cara. Esse aí não pode ser um médico. Mesmo que esteja escrito em seu crachá.
Posso lhe assegurar que sou — Willian confirmou com a voz rouca.
Não estou convencida. Lembro-me muito bem dos pro­blemas que você causou, roubando seu próprio empregador.
Com um registro juvenil igual ao seu, não pode ter entrado para uma escola de medicina.
  Não vou discutir meu passado com a senhora. — Willian estreitou o olhar. — Agora, se continuar perturbando o ambiente, terei que chamar a segurança.
  Perturbar? — O rosto de Nelda tornou-se vermelho. — Estou dizendo a verdade, para advertir as outras pessoas que estão a seu lado.
"Willian teve problemas na juventude?" Emily achava aquilo difícil de acreditar. Sentindo-se compelida a defen­dê-lo, deu um passo à frente.
— Acho que deveria medir cada palavra antes de falar, madame. As pessoas podem ser processadas por difamação.
Nelda limitou-se a fitar Emily com extremo desdém.
  Isso não lhe diz respeito.
  Diz, sim. O dr. Patton não é apenas um médico ta­lentoso, mas também meu noivo, e não vou ficar aqui parada enquanto você tenta manchar a reputação dele!

CAPÍTULO VII

O dr. Patton é um responsável e res­peitável membro desta comunida­de. Como a senhora ousa vir até aqui e fazer insinuações absurdas? — Emily aprumou os ombros, tentando manter uma postura imponente. — O doutor é um profissional de alto gabarito. Seja lá o que for que tenha acontecido em seus dias de juventude, isso agora está no passado. Há um ditado que diz que quem tem telhado de vidro não deve atirar pedras no do vizinho. Em outras palavras: cuide de sua vida!
Os lábios de Nelda se abriram e se fecharam sem emitir nem um som.
— Bem! — ela exclamou, por fim. — Estou indo embora. Não vou ficar aqui para ser insultada por essa... essa... essa garota!
Emily estava pronta para avançar, mas Willian segurou-a pelo braço e sussurrou-lhe.
— Vá para seu quarto.
— Mas, Willian...
— Por favor.
Detestando ter de recuar, ela virou-se com tanta gracio­sidade quanto podia e começou a voltar para os aposentos. Antes de entrar, olhou para trás e viu Nelda andando, apres­sada, na direção dos elevadores enquanto sua irmã se des­culpava de maneira confusa com Willian.
Muito irritada para sentar-se, Emily ficou caminhando de um lado para o outro até que ele apareceu.
— Lembre-me de nunca deixá-la zangada — ele comentou ao fechar a porta e antes de guiá-la até o leito. — Por um minuto tive medo de que precisasse prestar cuidados médicos a Nelda. Cheguei até mesmo a imaginar você tentando esganá-la.
O humor dele ajudou a diminuir a indignação de Emily, que sorriu.
— Tudo que eu precisava era de um bate-boca com uma esnobe como aquela!
Willian ficou sério.
Obrigado por me defender, mas não era necessário.
Sim, era. A mulher queria destruí-lo, e eu não podia permitir que isso acontecesse.
Willian sentou-se na beira da cama e passou os dedos entre os cabelos, parecendo frustrado.
Ela não estava inteiramente errada.
Will... — Emily segurou a mão enorme a seu alcance. — Se quiser falar sobre isso, eu ouvirei. Mas seja lá o que tenha acontecido quando você era um garoto, não me inte­ressa. O que interessa é o hoje, é o que conta.
Por alguns momentos Willian encarou-a em silêncio, como se analisasse o que fazer. Enfim, assentiu.
— Como já disse antes, não fui o tipo de menino que a maioria dos pais gostaria de ter como filho. Meu pai abandonou nossa família quando eu tinha cinco anos, e minha mãe precisou trabalhar em três lugares ao mesmo tempo para conseguir dinheiro para as despesas da casa. Por conta disso, fui crescendo sem a supervisão de um adulto, e acabei tendo alguns problemas na escola. Para ser franco, acabei me envolvendo com a lei... Nada importante, mas cada policial da cidade sabia meu nome.
Willian fez uma pausa. Quando tornou a falar, seu olhar parecia perdido na distância.
Foi então que mamãe começou a trabalhar como faxineira na residência de um dos antigos médicos da comunidade, Abe Tarnell. Eu ia para lá à noite, para ajudá-la, e numa ocasião Abe me apanhou estudando um livro de anatomia e fisiologia. Como percebeu que eu estava inte­ressado em medicina resolveu me "adotar". O homem até mesmo me ajudou a conseguir serviço em um armazém local. Mais uma vez Willian fez uma pausa, como se precisasse tomar fôlego.
O proprietário tinha contratado outro garoto, Owen, além de mim, para fazer entregas e coisas do tipo. Tudo ia muito bem até que o sr. Hogan começou a dar pela falta de dinheiro na caixa registradora. Já que Owen vinha de uma família de classe média, bem posicionada, o sr. Hogan concluiu que eu era o ladrão, e chamou a polícia.
Mas você não tinha feito nada errado.
Ele meneou a cabeça.
Abe me defendeu, mas perdi o emprego. Mais tarde, o sr. Hogan acabou pegando Owen em flagrante e também o demitiu.
Mas o dano já havia sido feito.
Sim. Agora você conhece os detalhes sórdidos de minha vida.
Mais que isso. Emily passou a compreender a preocupação de Willian em evitar boatos. Também compreendia por que ele pretendia se juntar ao tipo de pessoa que o desprezara: queria provar seu valor. Tendo uma mulher como Celine, sua tarefa seria muito mais fácil. Mas agora precisaria se contentar com a segunda opção. Aquele era um pensamento sombrio.
Considerando tudo aquilo, poderia ela convencê-lo de que alguém tão comum quanto a pobre Emily Chandler era a mulher certa? De alguma forma, duvidava disso.
Estava falando sério quando afirmou que eu era seu noivo, Emily?
Ela evitou encará-lo, ainda incapaz de admitir a verdade.
Foi tudo o que consegui imaginar no momento, Will. Diga-me, ia me contar sobre a conversa com meu tio?
Willian achou melhor ignorar a súbita mudança de as­sunto, e não fez nenhum comentário.
— Bert vai desistir do processo de guarda de Kevin se nos casarmos.
  Já tinha imaginado que essa seria a condição.
  Não está irritada?
  Como disse, não foi surpresa.
  E tem mais: Bert não vai mais interferir no destino de Kevin.
Emily riu, com desdém.
Por quanto tempo?
Para sempre. Ou então, até que Kevin peça sua ajuda.
O coração de Emily disparou. Fazia muito tempo que esperava pelo dia em que Bert os deixaria em paz.
Não brinque, Will.
Foi o que ele disse. — Willian fez uma pausa estudada antes de continuar: — De qualquer forma, fez uma exigência.
A alegria de Emily se desvaneceu. Ela deveria saber. Bert nunca abriria mão de uma vantagem. Na certa, fizera alguma imposição impossível de ser cumprida.
E qual foi?
Nosso casamento tem que acontecer no máximo em seis semanas.
Só isso?
Willian assentiu.
E até lá Bert planeja ficar muito próximo de tudo o que acontecer com sua família.
Depois, vai nos deixar em paz... — ela repetiu para si mesma, como se esperasse uma confirmação.
Sim.
Emily considerou seu próximo movimento. Depois de des­cobrir como os sonhos de Willian estavam intimamente li­gados a seu passado, não se sentiria confortável se não lhe desse pelo menos uma oportunidade de escolher.
  Devemos concordar com o limite de tempo, Will? Ele arqueou uma sobrancelhas.
  Você tem mais alguma idéia?
  Não. Achei que você poderia ter pensado em algo.
  Por quê?
  Caso tivesse mudado de idéia...
  Como assim?
Se me lembro bem, você me sugeriu um casamento temporário.
Acreditei que isso a ajudaria a sentir que continuava a manter algum controle sobre si.
A expressão de Emily denotava que ela estava acompa­nhando o raciocínio de Willian.
E agora?
Nós dois continuaremos mantendo o controle. Mesmo que concordemos com esse arranjo, e no futuro decidamos nos separar, haverá apenas uma maneira de terminar com o compromisso.
Embora não tivesse sido pronunciada, a palavra "divórcio" pairou acima de suas cabeças.
Creio que devemos dar a nós mesmos pelo menos um ano, antes de qualquer decisão, Emily. Estaríamos sendo injustos conosco, com o bebê e com Kevin se não fizéssemos isso.
Um ano. Trezentos e sessenta e cinco dias talvez fossem suficientes para que Willian descobrisse que não poderia viver sem ela... ou pelo menos para Emily tentar convencê-lo.
Aceito.
Outra questão permanecia sem resposta.
E nós vamos ter um casamento de verdade?
Existe algum outro tipo?
Emily engoliu em seco.
Não sabia se você esperava mais do que uma relação para manter as aparências.
Willian segurou seu queixo, forçando Emily a encará-lo.
Vamos ter nosso filho em seis meses. Seria absurdo se nos evitássemos. — Deixando escapar um suspiro, Willian fez menção de sorrir, antes de prosseguir: — Além disso, minha casa terá apenas cinco quartos: um para nós, outro para Kevin, o terceiro para sua avó, o quarto para o bebê, e o último para meu escritório.
Emily forçou-se a sorrir.
Então, é melhor nos apressarmos com os planos da cerimônia.
As semanas seguintes passaram-se em meio a um tur­bilhão de atividades. As notícias sobre a gravidez de Emily e o casamento iminente circularam logo por todo hospital, e ela já se acostumara a receber congratulações.
Várias mulheres, algumas das quais alimentavam suas pró­prias esperanças em relação a Willian, faziam comentários. Mas, em geral, a maioria se mostrava muito feliz por Emily.
Embora se sentisse muito melhor à medida que a gravidez progredia, Emily também se cansava com mais facilidade. Para piorar tudo, depois de cuidar de suas tarefas no hos­pital, passava o restante do tempo organizando os detalhes para a discreta cerimônia que planejavam.
Como era muito difícil agendar um salão para recepção em tão curto período, Emily conseguiu convencer Willian a receber os convidados na nova residência. Sob sua super­visão e ajuda, Kevin e Ellen trocaram os papéis de parede da sala de estar e de todos os outros aposentos do andar inferior, enquanto Willian ajudava sempre que podia.
Porém, ao se aproximar a data do enlace, as inseguranças que Emily sentira no princípio ficavam mais fortes. Em seus sonhos, teria preferido se Willian tivesse dito que que­ria casar-se porque não podia viver sem ela. A realidade, no entanto, era diferente.
Com muita frequência, perguntava-se se poderia mesmo convencê-lo de que era a pessoa adequada para ele. De qual­quer forma, não voltaria atrás com sua palavra. Concordara em casar-se para assegurar o futuro de Kevin e do bebê, e não pretendia mudar de idéia.
Embora Emily estivesse contente com o fato de a rotina agitada não permitir que refletisse muito, seu ritmo cotidiano estava ficando cada vez mais extenuante. A chegada de uma nova enfermeira aumentou suas expectativas de ter um pouco de alívio. Entretanto, alguns desentendimen­tos com a jovem a fizeram mudar de opinião.
— Achei que havia explicado o quanto é importante seguir a lista de procedimentos passo a passo antes de dar alta para um paciente, Jacqueline.
Eu chequei, Emily. —A jovem ajeitou os cabelos loiros.
Sendo assim, como pode ter se esquecido de dar à sra. Lytle a dose de RH imunoglobulina antes de liberá-la?
Imaginei que você iria cuidar da injeção.
Emily mordiscou o lábio. Como membro mais antigo da equipe, era dela a responsabilidade de checar o trabalho da nova integrante da unidade.
Não. Disse que você devia ir até o banco de sangue apanhar a medicação.
Pensei que você ia fazer isso.
  Não, eu não ia. Jacqueline deu de ombros.
  É sua palavra contra a minha.
Daquela vez, Emily quase rangeu os dentes. Jacqueline estava certa. Contudo, não seria fácil lidar com aquela si­tuação. A moça era uma enfermeira registrada, e assinara o termo de responsabilidade cientificando-se de todos os pro­cedimentos que precediam uma alta. Porém, Emily fora orientada a acompanhar Jacqueline na unidade, e era res­ponsável pelo treinamento da jovem.
O diretor de obstetrícia decerto não levaria em conside­ração a pesada carga de trabalho de Emily, e reportaria o incidente como um erro profissional. Que complicação...
Nas últimas vinte e quatro horas, aliás, Jacqueline de­monstrara um verdadeiro talento para fazer o menor esforço possível. Do ponto de vista de Emily, aquele episódio em particular prenunciava uma série de incidentes desagradá­veis à frente. A nova funcionária parecia mais interessada em sua manicure e em estar livre quando os jovens médicos faziam sua ronda do que em cuidar de seus pacientes.
Ligue para a sra. Lytle e peça que ela retorne assim que possível, Jacqueline. E importante que ela receba sua RH imunoglobulina até setenta e duas horas depois do parto. Não preciso relembrá-la das sérias complicações que isso pode causar para os futuros filhos dela. Sem mencionar a possibilidade de uma ação judicial.
Jacqueline suspirou.
Sim. Qual é o número de telefone dela?
Mais uma vez, Emily teve de se esforçar para manter calma.
Cheque na ficha de admissão. Depois de contatá-la, e avise. Estarei com a sra. Sanders.
Cruzando os dedos para que a jovem fizesse tudo direito, Emily foi até o quarto de Nina Sanders.
Como está?
O rosto de Nina brilhava por causa da transpiração.
Nada bem. — Levou a mão ao ventre.
Nina estava no sexto mês de sua primeira gravidez, e Emily desconfiava que Willian iria indicar sulfato de mag­nésio para deter suas contrações, sobretudo porque não ha­via nenhum sinal de dilatação. Mesmo assim, algo sobre aquele caso não parecia muito certo.
Estamos esperando pelo resultado do laboratório, e o dr. Patton está a caminho. — Emily tentava manter a sra. Sanders e o marido calmos.
Mais uma vez, ela checou os sinais vitais, notando que a temperatura de Nina não baixara.
"Apresse-se, Will..."
Como se seus desejos o tivessem materializado, Willian entrou no quarto naquele exato momento.
Diga-me o que está acontecendo.
Nina assentiu.
Comecei a sentir dores, mas não sei se são contrações, porque são muito constantes.
Trata-se de dores localizadas ou você pode senti-las por todo o abdome?
A mulher indicou seu lado direito.
Dói aqui, doutor... mas ainda mais aqui.
Willian, pensativo, olhou para o monitor que Emily po­sicionara ao lado do leito e tirou a pulsação da paciente.
  Parece que está tudo bem com o bebê, Nina. Nina fechou os olhos por um breve instante.
  Isso é bom, não é?
Claro — Willian disse com firmeza, colocando um par de luvas de látex.
Depois de fazer um exame rápido, ele tirou as luvas e procurou pela ficha médica.
  Os resultados dos exames já saíram, Emily?
  Vou ver se já colocaram no escaninho.
Emily apressou-se e acabou encontrando o relatório recém-chegado na bandeja da impressora da sala das enfer­meiras. Então, voltou depressa ao quarto.
Antes de entregar os resultados a Willian, notou a elevada taxa de glóbulos brancos indicada nos testes.
Willian, por sua vez, estudou os relatórios por minutos antes de falar qualquer coisa.
  Não acho que esteja em trabalho de parto, Nina. Ela fitou o ventre.
  Sendo assim, por que está doendo?
  Você pode estar com apendicite.
  Apendicite?
Isso acontece — Willian murmurou. — Vou providen­ciar uma laparotomia.
E quanto ao bebê?
Tanto você quanto a criança ficarão bem. Temos um excelente anestesista.
Daquela vez foi o sr. Sanders que interveio:
Você disse que pode ser que ela tenha apendicite. Não tem certeza?
Não — Willian admitiu, com honestidade. — Às vezes é muito complicado diagnosticar uma apendicite, e a gravidez torna tudo ainda mais difícil. De qualquer forma, a taxa de mortalidade de mulheres grávidas com o apêndice supurado é muito alta. Por isso, preferimos arriscar uma cirurgia.
O homem empalideceu, e concordou com a decisão de Willian.
Os próximos trinta minutos passaram rápidos, enquanto a sra. Sanders era preparada e encaminhada para a unidade cirúrgica. Quando tudo já estava pronto, Emily deixou a tarefa a cargo da enfermeira de plantão e voltou para pro­curar Jacqueline.
Localizou a sra. Lytle?
Jacqueline encarou-a ajeitando os cabelos mais uma vez.
Ela está a caminho, e não parece muito feliz com isso. Disse a ela que pode falar com você quando chegar aqui.
Ótimo! Eu me entendo com ela. Nesse meio tempo, por favor, preencha o relatório de qualidade relatando o incidente.
Isso é necessário? Quero dizer... a mulher está vol­tando, e vai receber seu medicamento. Por que complicar as coisas? Não aconteceu nada ruim.
Mais uma vez, Emily se esforçou para manter a fleuma.
Notificar o departamento de qualidade sobre erros médicos é o procedimento padrão. Tivemos sorte de perceber o equívoco antes que algo mais grave tivesse acontecido. Lembre-se disso.
Jacqueline revirou os olhos desgostosa.
Ainda não acho que isso seja necessário.
Não importa o que você acha. Apenas faça — Emily ordenou.
Na meia hora seguinte, a sra. Sanders foi para o centro de recuperação após a remoção de seu apêndice, e outra jovem mãe foi admitida em trabalho de parto.
Quando Emily estava se perguntando se deveria ligar de novo, o casal Lytle chegou. Depois de soltar um suspiro aliviado, ela desculpou-se pela inconveniência e conduziu-os até a enfermaria para aplicar a medicação.
Depois que Molly chegou para substituí-la, Emily ainda teve de participar de uma reunião sobre infecções hospitalares, e, quando retornou, encontrou Willian e Jacqueline discutindo.
Oh, aí está você! — a nova enfermeira esboçou um sorriso falso. — Eu vi o dr. Patton e achei que seria melhor explicar o problema que você teve com a sra. Lytle.
Emily ergueu as sobrancelhas.
O medicamento já foi administrado, e agora nós duas vamos preencher o relatório de qualidade sobre o incidente.
O tom glacial de Willian pegou-a de surpresa:
Espero que sim. E acho que não preciso lembrar o quanto seu erro poderia ter custado para os futuros filhos dela.
Não, você não precisa. — Emily olhou pára Jacqueline, procurando apoio. — Você não explicou o que houve?
Jacqueline limitou-se a dar de ombros numa atitude inocente.
Sinto muito. Tentei explicar que você estava muito ocupada, e a sra. Lytle tinha pressa de sair. Eu devia ter questionado o lapso, já que havia assinado o prontuário de alta. Mas sendo nova na casa...
Não deixe isso tornar a acontecer, Emily — Willian pediu, como se considerasse que a culpa era dela.
Emily enfiou as mãos nos bolsos e cerrou os pulsos. Foi necessário um grande esforço para conter a língua. Dadas as circunstâncias extenuantes, concluiu que estava mesmo em uma situação delicada.
Não se preocupe, doutor.
No instante seguinte à partida do médico, confrontou Jacqueline:
Por que não contou a verdade a ele?
Eu contei.
Não tenho tempo para fiscalizar cada movimento que fizer, mas acredite: estou de olho em você. E se não puder arcar com suas responsabilidades não vai ficar aqui por muito tempo.
Não me ameace, Emily. Meu pai é o administrador do hospital. Posso garantir que ficarei no cargo mais do que você.
Dizendo aquilo, a moça se afastou, deixando Emily fu­riosa, tanto com ela como com Willian.
Quando o viu de novo, vinte minutos mais tarde, sua raiva não havia diminuído.
Emily estava na sala das enfermeiras, trabalhando no computador, quando Willian entrou e sentou-se a seu lado.
Você está irritada.
Que observador!
Não devia ter levado aquela advertência para o lado pessoal.
Pareceu bem pessoal para mim.
Eu tinha todo o direito de estar zangado. Minha pa­ciente poderia ter sofrido por causa daquela negligência.
Eu sei disso. Também fiquei brava comigo mesma quando descobri o erro.
  Então por que está assim?
  Porque você preferiu aceitar a palavra de uma desco­nhecida, com quem nunca trabalhou antes, em vez da mi­nha. O mínimo que poderia ter feito era me deixar explicar.
Willian ajeitou-se na cadeira, cruzando os braços.
Certo. Então, explique.
Emily voltou-se para a tela do computador.
Estou ocupada.
De soslaio, notou que Willian permanecia imóvel como uma estátua, parecendo disposto a esperar até que ela con­seguisse recuperar o autocontrole. A pressão daquele silên­cio a fez falar outra vez:
Eu até explicaria, mas agora meus argumentos iriam parecer meras desculpas, uma vez que Jacqueline já deu a versão dela. Mesmo assim, lá vai... Sim, toda a confusão foi minha culpa por deixar Jacqueline sozinha enquanto eu cuidava da sra. Sanders, e por julgar que ela seria capaz de trabalhar sozinha. Mas o que me feriu mesmo foi sua atitude. Pelo menos poderia ter me dado o benefício da dúvida.
A pulsação de Emily estava acelerada quando ela termi­nou seu pequeno discurso.
Eu não imaginava...
Mas deveria, Will! Emily respirou fundo.
Não tornarei a fazer isso.
O comentário dele não era uma desculpa clássica, mas Emily desconfiava que era o mais próximo disso a que Wil­lian poderia chegar. Já era experiente o bastante para saber que poucos homens eram capazes de dizer aquelas duas palavrinhas: "sinto muito".
Willian se inclinou para sussurrar-lhe ao ouvido:
Vamos fazer as pazes?
Sua expressão de arrependimento conseguiu fazer Emily sorrir.
Muito bom, Emily!
Como muitas pessoas estavam ao redor, Willian despediu-se com discrição, batendo de leve no braço de Emily.
Dali em diante, Emily passou a tratar Jacqueline de forma polida, mas distante. Sempre gostara de ter consigo as outras colegas da unidade, por isso achava aquele tipo de comportamento desconcertante.
Caminhando para o estacionamento com Molly, ao final de seu turno, uma semana depois, sentiu necessidade de externar como estava frustrada diante da situação.
Apenas ignore-a, Emily. Pelo que reparei, a garota está louca para ir logo trabalhar como assistente no escri­tório de um dos médicos. Se não estou enganada, creio que vai deixar nossa unidade por pastos mais verdejantes muito antes do que imaginamos.
Acho que sim.
Esqueça toda essa história e concentre-se em seu ca­samento. Está tudo certo para amanhã?
Confortada pela amiga, Emily assentiu.
Acha que estou fazendo a coisa certa, escolhendo uma cerimônia simples e convidando apenas nossos amigos mais íntimos, Molly?
Para mim, foi uma idéia maravilhosa. Casamentos suntuosos estão fora de moda.
Sim, mas não consigo deixar de imaginar que Willian vai comparar nossa pequena recepção com o acontecimento social brilhante que teria se fosse Celine a entrar na igreja, e não eu.
Vocês não cuidaram de tudo juntos?
Sim.
Então não pense bobagem. Se Willian quisesse o evento que você descreveu, teria lhe dito.
Emily passou a mão sobre o ventre.
Talvez devêssemos ter esperado até depois que a crian­ça nascesse. Estou ficando gorda.
Tolice, Emily. E, com aquele vestido que você escolheu, sua barriguinha nem vai ser notada.
Para ser franca, Molly, não estou preocupada com o casamento, e sim com o que virá depois.
A amiga achou que era hora de fazer uma brincadeira:
Ah, a cena no quarto de dormir... Olhe, Emi, Willian não vai notar. E, se notar... Ora, bolas, é o bebê dele! — Sorriu. — Se quer que eu seja franca, acho que os homens até acham isso muito sexy.
Sentindo o rosto queimar de embaraço, Emily deu um tapinha amistoso na amiga.
  Molly!
  Acredite em mim, querida. Tudo vai funcionar perfeitamente.
Aquilo foi o que Emily disse a si mesma ao entrar na capela do hospital, no dia seguinte, usando um vestido bran­co simples e com os cabelos presos num arranjo com pérolas e flores do campo. Tudo estava mudando, e apenas o tempo diria se seria para melhor.
Ao chegar ao altar, olhou para o homem a seu lado, e seu coração acelerou. Vestindo um elegante fraque cinzento, com um botão de rosa vermelho na lapela, Willian mais parecia um astro de cinema.
Quando Willian colocou a aliança de ouro no dedo anular da mão esquerda de Emily, notou que ela tremia muito.
Emily fitou de relance a avó e o irmão, que estavam juntos, bem próximos. Usando um belo modelo azul-celeste, que combinava com seus cabelos grisalhos, Ellen sorria de orelha a orelha. Kevin trajava um smoking que Willian o ajudara a escolher, e parecia muito orgulhoso por ter en­tregado, como padrinho, a irmã ao noivo.
Emily voltou a concentrar-se na cerimônia. Tinha a im­pressão de que seu peito poderia explodir, incapaz de conter tanta felicidade. Não podia negar seus sentimentos, ou con­trolá-los. Amava Willian Patton.
O pastor sorriu.
Agora você pode beijar a noiva.
A cabeça de Willian inclinou-se ao mesmo tempo que Emily ergueu de leve a sua, e seus lábios se encontraram em um beijo casto. Para compensar a diferença de altura, Emily teve de ficar na ponta dos pés por alguns segundos antes de se afastar, e então os convidados aplaudiram.
Aquele que agora era seu marido estendeu o braço com elegância.
Podemos ir, sra. Patton?
Claro.
Houve um flash de luz, e Emily reconheceu um fotógrafo profissional andando no corredor lateral.
  Eu não o chamei — ela sussurrou.
  Fui eu.
Emily diminuiu os passos, virando-se para encará-lo com um sorriso surpreso.
  Por quê? O namorado de Molly concordou em tirar nossos retratos.
  Agora vamos ter recordações dobradas. Não se preo­cupe. Seu único trabalho hoje é sorrir e parecer maravilhosa, como está fazendo neste momento.
Willian guiou-a até a limusine branca estacionada próximo à entrada dos médicos. Emily tornou a parar, ignorando o cortejo que os seguia naquela tarde ensolarada de abril.
  Uma limusine, Will?
  Imaginei que seria apropriado. Gostou?
  Nem fale!
O motorista uniformizado adiantou-se e abriu a porta. Willian ajudou-a a entrar, e logo em seguida acomodou-se também no assento de couro branco.
Emily observava todos os detalhes do veículo, parecendo querer memorizar cada um deles.
O que achou, Emily?
Isso é maravilhoso, mas não era necessário. Willian achou graça, e passou o braço ao redor de Emily.
Se um casamento não é uma ocasião perfeita para passear em grande estilo, eu não sei qual é.
Emily deixou a cabeça repousar no ombro másculo, tocada demais para dizer algo além de:
Obrigada...
Não precisa agradecer. Agora, relaxe e aproveite a vista.
Não vamos para casa? — ela perguntou, notando que se dirigiam para os arredores da cidade.
Mais tarde. Iremos dar tempo para nossos convidados chegarem lá antes.
Determinada a desfrutar cada momento, Emily alternava-se entre abraçar Willian e revirar-se de um lado para o outro, explorando o interior do veículo. Examinou os carpetes, aper­tou os botões da televisão e do vídeo, abriu a porta do pequeno refrigerador e quase engasgou de surpresa quando fez baixar a barreira à prova de som que os separava do chofer.
Está se divertindo?
Emily riu.
Isto é ótimo, Will! Tinha mesmo ouvido dizer que era um luxo, mas nunca pensei que fosse experimentar por mim mesma. Muito obrigada de novo.
Num impulso, beijou-o. Então, Willian aproveitou o ensejo para puxá-la para junto de si.
Embriagada pelo aroma do perfume másculo e pela sen­sualidade das carícias dele, Emily sentiu um estranho calor começando a manifestar-se por todo seu corpo.
A voz modulada do chofer soou através do intercomunicador:
Devo dar mais uma volta pela cidade?
Emily afastou-se, envergonhada como uma criança sendo pega no meio de uma travessura.
Apesar de os olhos de Willian estarem faiscando de desejo, ele deixou escapar um longo suspiro de frustração.
É melhor nos juntarmos a nossos convidados. — Sussurrou ao ouvido dela: — Vamos guardar todo esse entusiasmo para mais tarde...
Logo que chegaram à residência, encontraram a rua re­pleta de carros estacionados. Molly e várias das outras en­fermeiras haviam decorado a entrada do jardim com um pórtico e laços brancos.
Emily saiu da limusine com alguma dificuldade por causa do vestido.
Não corra. — Willian estendeu-lhe o braço.
Lá dentro, os convidados já haviam se espalhado, reunindo-se em pequenos grupos e bebendo ponche ou refrige­rantes, de acordo com a preferência.
Ao entrar na sala de estar, Emily não pôde conter uma ponta de orgulho ao deparar-se com o resultado do próprio esforço e da ajuda de sua avó. Um bufê caro não teria feito melhor. Porém, o mais importante era que ninguém poderia classificar a mulher de Willian como um desastre social.
Depois de cumprimentar vários convidados, ela foi até a cozinha e verificou que o balcão estava carregado de ban­dejas com vários tipos de canapés e tortas, que tinham sido preparados por Ellen e Jacinta Lopez, uma das companhei­ras de Ellen no clube de bridge.
Algum problema, Jacinta?
Nenhum, Emily. Tudo está correndo às mil maravi­lhosas. Ellen já veio me perguntar a mesma coisa. Agora vá e aproveite. Deixe que eu e minhas irmãs nos encarre­guemos de tudo.
Estou indo, estou indo! Você já viu Kevin?
Ele foi até o jardim dos fundos alguns minutos atrás.
Emily se aproximou da janela. Viu Kevin, já com a gravata desatada e o primeiro botão da camisa desabotoado, ao lado de dois rapazes vestidos com jeans e camisas esporte. Digger, o cão de Willian, brincava ao redor deles, parecendo deliciado.
Diga ao dr. Patton que já é hora de cortar o bolo, Emily — Jacinta instruiu. — Pode deixar que eu chamo Kevin.
Não demorou muito para Emily encontrar o marido. Quando Kevin, Ellen, Molly, os companheiros de Willian e suas espo­sas, além de outros amigos do hospital, foram reunidos, a voz grave do dr. Moore ergueu-se acima do burburinho:
Um brinde ao feliz casal!
As garrafas de champanhe passaram pelos convivas, até que todos segurassem uma taça. Mais uma vez, o dr. Moore aquietou a multidão:
Para nosso mais novo colega e sua linda mulher. Que vocês tenham uma vida longa e cheia de alegrias.
O homem mal terminara seu brinde quando um ruído grave foi ouvido por todos. Antes que pudesse haver qualquer reação, vinte quilos de uma penugem dourada apareceram correndo, colidindo direto com a mesa central. A tigela de ponche virou, espalhando seu conteúdo pela toalha de linho branco, e taças foram atiradas ao chão em ambos os lados da mesa.
Mas não foi esse o incidente que mais chamou a atenção de Emily. Ela observou, horrorizada, quando a parte superior de seu lindíssimo bolo de noiva de dois andares espatifou-se no assoalho, transformando-se numa massa de creme disforme.

CAPÍTULO VIII

Willian quebrou o silêncio atordoante: — Kevin!
Não tive culpa! — Kevin pulara com agilidade para a frente, agarrando o animal pela cauda. — Juro que não. Digger estava lá fora, eu mesmo o levei.
Tire-o daqui — Willian mandou. Kevin obedeceu.
Vamos, Digger. Cachorro malvado!
Emily olhou para a miniatura plástica de um casal de noi­vos, que jazia no meio da massa do bolo destruído. Mortificada, não conseguia erguer a cabeça para encarar os convidados.
Ellen, Molly e Jacinta juntaram-se para reparar o dano da melhor forma possível.
Nós temos muito bolo ainda, por isso, não se preocupe — Ellen tranqüilizou-a, com gentileza. — Foi uma boa idéia fazermos uma quantidade extra.
Emily fez que sim, embora se sentisse atuando em um filme mudo. Trabalhara duro para fazer daquele um dia perfeito, e o maior dos imprevistos, um cão, arruinara tudo.
Fique quieta — Molly instruiu-a. — Não queremos que manche seu lindo vestido com ponche. Sorria. O mundo não acabou.
Enfim, Emily conseguiu encarar as pessoas. Os homens pareciam espantados, e as mulheres ostentavam expressões simpáticas. Na verdade, o maior desejo dela era desaparecer dali, ou deixar as lágrimas que queimavam seus olhos caírem à vontade. Mas recusava-se a embaraçar Willian. As­sim, esforçou-se para esboçar um sorriso.
Casamentos devem ser ocasiões memoráveis. Aposto que nenhum de vocês vai esquecer o nosso.
Aquele comentário conseguiu deixar o ambiente mais leve. A esposa de um dos outros médicos, uma senhora ele­gante, de meia-idade, avançou, abraçando-a.
Oh, querida... Cada cerimônia a que compareci sempre teve alguma pequena confusão. É assim que as coisas acontecem.
Bem, era difícil para Emily considerar a demolição pro­movida por Digger como uma "pequena confusão". De qual­quer forma, precisava tanto de conforto que não ousou cor­rigir a mulher.
A esposa do dr. Moore juntou-se às duas:
É verdade. Isso me faz lembrar quando Maybelle e Frank celebraram suas bodas de ouro...
Emily não acompanhou a narrativa, mas ficou muito ali­viada ao se dar conta de que todos tinham voltado a conversar.
Observou ao redor procurando por Willian, e descobriu que ele desaparecera. Enquanto caminhava pela casa a sua procura, mais alguns convidados a abordaram com frases de encorajamento. Quando conseguiu se ver livre de todos, Willian já voltara a juntar-se a ela.
Onde esteve, Will?
Lá fora.
Fitou-o, espantada. Willian a teria deixado sozinha de propósito para arcar com aquele desastre?
Não me diga!
Sim. Kevin e eu solucionamos o mistério de como Dig­ger conseguiu abrir a porta e entrar.
É mesmo? O que aconteceu?
Ellen aproximou-se, apressada.
Acho que devemos ir em frente e servir logo o bolo. Tudo bem para vocês?
Ótimo — Emily concordou, lançando em seguida um olhar questionador ao marido.
Willian enlaçou-a.
É uma longa história, querida. Explicarei tudo depois.
A tarde passou rápida, sem outros incidentes. Logo depois que o último convidado foi embora; Emily e sua família vestiram roupas confortáveis e começaram a colocar a casa em ordem de novo.
Willian recolhia copos e bandejas sujos, limpando as mar­cas deixadas nas superfícies dos móveis do living e da sala de jantar.
Por que parece que convidamos mais de vinte e cinco pessoas?
Emily riu ao colocar a louça numa bacia larga.
Porque convidamos, Will. Deve haver uns cinquenta copos e pratos, e pelo menos o dobro disso de garfos e co­lheres para lavar.
Devíamos ter usado tudo descartável. — Willian es­boçou um sorriso desanimado.
Sim, mas então não teria sido tão fantástico.
Lavar tudo aquilo era um preço pequeno a se pagar pelo toque de classe que as peças emprestaram à ocasião.
Ainda bem que pensei em contratar ajuda extra. — Ele se adiantou para pegar a bandeja que Emily estava prestes a erguer. — Deixe isso comigo. É muito pesado para você.
A atitude gentil a agradou. Será que Willian acreditava mesmo que sua condição lhe daria privilégios especiais no hospital? Carregar alguns pratos não era nada comparado a seu serviço.
A campainha soou, fazendo-a recordar o comentário que Willian fizera poucos instantes antes.
Que ajuda extra?
Devem ser eles. Volto num instante.
Enquanto Willian levava sua carga para a cozinha, Emily foi até a porta, encontrando dois garotos da idade de Kevin à espera. Saudou-os com afeto, mas confusa.
O mais loiro dos dois era também mais alto e magro.
O dr. Patton mandou que estivéssemos aqui às seis da tarde — ele disse.
Consultando de relance o relógio de parede que ficava no hall, Emily sorriu para os dois.
Chegaram bem na hora. Entrem.
Antes que Emily pudesse se virar, Willian, da cozinha, disse:
Que bom que vieram, rapazes! Tudo já está pronto para vocês.
Emily achou que não tinha ouvido direito.
Eles vão...
Lavar, secar e empacotar toda a louça — Willian confirmou. — Judd e Eric farão um bom trabalho, tenho certeza disso.
Um sorriso forçado curvou os lábios dela. Não tinha tanta fé na qualidade do serviço daqueles dois quanto Willian, mas, como ele já os conduzia para dentro, teve de conter seu comentário até o marido voltar, minutos depois.
Judd e Eric, Will? Como fez para conseguir ajuda deles?
Simples. Eu os ameacei.
Você o quê?
Willian abriu o sorriso mais lindo do que nunca, agora que pusera jeans e camiseta.
Aqueles garotos soltaram o cachorro e fizeram-no entrar na casa, e então foram ver o que acontecia. Mas Kevin os avistou na janela. E desnecessário lembrar a confusão que causaram. Para resumir, agora os dois terão de pagar seus pecados sob a supervisão de Jacinta.
— Espero que não decidam despejar tanta animosidade nos pratos. Terei de devolvê-los intactos para a empresa de aluguel. Com um abraço confortador, Willian tentou acalmá-la:
  Fique tranquila. Se quebrarem alguma coisa, pagarão cada centavo. —Ao dizer aquilo, olhou ao redor. — Deveríamos ter usado a lanchonete do hospital. A confusão seria menor.
  Claro que não! — Emily não conseguia imaginar a ele­gante Celine recepcionando convidados num lugar tão sem graça. — O marido de Jacinta estará aqui em instantes para levar as cadeiras extras de volta para o salão da igreja. Tudo o que precisaremos fazer é limpar o piso, e então a casa estará pronta para receber o restante da mobília, na segunda-feira.
Tinham feito a mudança trazendo as coisas de Willian dias antes, bem como algumas peças de estimação que Emily herdara da mãe. Como desejavam ter espaço suficiente para a recepção, decidiram esperar para trazer o resto depois.
Na véspera, Emily desempacotara seus pertences pes­soais, colocando-os no guarda-roupa de Willian com extrema satisfação. Mesmo assim, era estranho ver seus trajes ao lado dos dele. A idéia de dormir ao lado do marido naquela cama enorme era apavorante.
Tem certeza de que não quer ir até Dallas, para passarmos a noite de núpcias em um daqueles hotéis luxuosos, Emily?
  Só se você quiser, Will, mas, se ficarmos aqui, não vamos perder todo aquele tempo de estrada.
  Já foi privada de um namoro regular, querida. Não queria que perdesse isso também.
  E se eu pedisse uma semana no Havaí, ou em algum outro lugar exótico? Você ia correr atrás disso no último minuto? — ela brincou.
  Se é isso o que quer...
Emily não podia se imaginar em um paraíso de recém-casados, observando outros casais felizes ao redor. Enquanto Willian não correspondesse a seu amor, não estaria pronta para aquele tipo de viagem, que sempre a faria se lembrar do que faltava em seu relacionamento. Porém, uma vez que o convencesse de que não era nenhuma diva intocável, e sim a mulher de sua vida, então ficaria mais do que satis­feita por acompanhá-lo a qualquer lugar do mundo.
  Aprecio sua oferta, Will, mas gostaria muito de ficar aqui a sós com você. — Ao pensar na liberdade que expe­rimentariam nos próximos dias, seu rosto chegou a rubori­zar. — Quando Kevin e vovó se mudarem, não teremos muitos momentos de privacidade.
  Não fique tão certa. Percebi que Ellen tem um medo mortal de que sua presença nos atrapalhe. Por que mais ela teria refutado tanto a idéia de mudar-se para cá?
  Obrigada por convencê-la de que achamos sua com­panhia muito importante.
E essa é a verdade. Adoro sua avó.
E ela também gosta muito de você. Willian sorriu.
Ellen é uma mulher esperta. Posso entendê-la muito bem.
Está insinuando algo? — Emily perguntou com suspeita. O sorriso de Willian alargou-se.
Não. Acontece que Ellen vê as coisas da mesma ma­neira que eu.
Bem, sr. Bola de Cristal, tudo o que estou vendo agora é uma residência imunda. É melhor nos apressarmos, ou essa limpeza vai durar para sempre.
Não... não vai mesmo.
Algo na entonação dele deixou Emily curiosa, forçando-a a encará-lo.
Não?
Willian meneou a cabeça. Seus olhos faiscavam, demons­trando uma emoção que ela queria acreditar que fosse paixão.
O que não for feito nas próximas duas horas vai ter de esperar, meu anjo.
O misterioso comentário deixou-a confusa.
É verdade, Will? Tem mais alguma coisa planejada?
Depois de estudá-la com extrema malícia, Willian inclinou-se para a frente sem dizer uma palavra, beijando-a nos lábios, e então saiu para o jardim, para ajudar o marido de Jacinta a carregar as cadeiras para o caminhão.
Não demorou muito para que todas as evidências da recepção desaparecessem. As únicas coisas deixadas para trás foram os arranjos florais, espalhados pelos quatro cantos, além da pilha de presentes, que havia sido colocada na sala de estar.
Quando se viram sozinhos, Emily se virou para Willian e percebeu que ele a observava com atenção.
Você parece exausta.
Pode apostar que estou. — Ela sentou-se pesadamente no sofá.
Por que não sobe e vai relaxar um pouco na cama?
São apenas oito horas, Will.
É nesse horário que você costuma tirar uma soneca.
Sim, mas...
"Mas" nada. Enquanto repousa, vou assistir a um pou­co de televisão.
Isso não me parece uma lua-de-mel muito excitante.
Teremos todo o final de semana, meu bem. Depois de tudo o que aconteceu com Digger, não posso acreditar que queira mais excitação.
Emily mexeu nos cabelos, exasperada.
Entendeu o que eu quis dizer, Will.
—Você vai precisar guardar toda sua energia para amanhã. Com a curiosidade aguçada, Emily não resistiu à indagação:
O que vai acontecer amanhã?
É uma surpresa. Agora, vá.
Estou indo — murmurou, amuada.
Contudo, no instante em que colocou os pés no quarto, sua exaustão desapareceu. Devagar, Emily retirou as flores e pérolas dos cabelos e começou a livrar-se dos grampos que o cabeleireiro usara para fazer o arranjo. Não parou até que a cabeleira estivesse solta sobre os ombros.
Em vez de se deitar, ajeitou os travesseiros no leito para sentar-se com as pernas cruzadas, e ligou a tevê.
Willian chegou ao dormitório alguns minutos depois.
Pensei que iria encontrá-la dormindo.
Acho que estou excitada demais. — Emily apontou o controle remoto para o aparelho e começou a trocar de canal. — Droga, os programas são todos reprises! Ou então, mos­tram assuntos que não interessam.
Willian descalçou os tênis e estendeu-se ao lado dela.
Tente o rádio.
Em pouco tempo, os acordes suaves de uma estação que tocava música orquestrada preencheram o ambiente.
Muito melhor, não acha?
Emily assentiu. Indicando com a mão o lugar ao lado dele, Willian murmurou:
Venha cá.
Não foi necessário outro convite. Emily se deitou, e Wil­lian fez com que apoiasse a cabeça em seu ombro.
Você cuidou de tudo muito bem hoje, Emily. Devo admitir que tinha minhas dúvidas de que a recepção pudesse funcionar, sobretudo aqui.
Ora, mas que homem de pouca fé! — zombou, deixando a mão repousar no peito másculo. — Achava mesmo que eu não poderia cuidar de um evento formal?
Sabia que era capaz, querida. Acontece que pensei que a residência seria muito pequena. Mas você cuidou de tudo muitíssimo bem.
O elogio encheu Emily de orgulho. Esforçara-se muito para provar que podia ser uma boa anfitriã, e conseguira.
Kevin e aqueles garotos parecem estar se entenden­do, Will.
Sim, eles passaram do estágio em que só se toleravam, e agora estão até mesmo discutindo sobre seus times prediletos de beisebol. Creio que devemos ter esperanças.
Antes que Emily pudesse dizer qualquer coisa, um riso grave preencheu todo o ambiente.
O que há de tão engraçado, Will?
Espero que o fotógrafo tenha registrado o momento exato em que Digger invadiu a festa, voando como uma bala de canhão.
Ah, ele o fez, pode estar certo! — Emily confirmou, re­cordando o constrangimento de toda a cena. Um instante de­pois, porém, um sorriso curvou-lhe os lábios. — Se bem que tenho de admitir que foi muito engraçado. Sei que sempre acontece algo de errado nesses eventos... E como um tipo de tradição, acho. Porém, nunca, nem em meus sonhos mais lou­cos, imaginaria um animal invadindo nossa recepção.
Nem eu.
Emily apoiou-se em um dos cotovelos.
  Por falar em sonhos, conte-me os seus. Willian virou-se para encará-la.
  Sonhos ou objetivos?
  Ambos. Existe alguma diferença?
Evidente. Quando menino, sonhava em ser um astronauta, mas isso nunca foi uma meta a alcançar. Gosto de poder respirar sem recorrer a uma atmosfera artificial. Para mim, esse risco parece maior do que as recompensas.
Emily imaginou se o fato de na infância Willian ter pre­cisado ser auto-suficiente tinha influenciado essa decisão. Tendo de cuidar de si mesmo enquanto a mãe trabalhava, era compreensível a necessidade de escolher alguma atividade mais palpável.
Foi por isso que me tornei médico.
Ela brincava com um botão da camiseta, sentindo o calor daquele corpo forte.
E agora que já é um brilhante profissional?
Com um gesto delicado, Willian ajeitou os cabelos dela.
Em primeiro lugar, gostaria de ver o centro de obs­tetrícia concluído.
Acho que é um pouco de megalomania chamar nossa ala de maternidade de um "centro de obstetrícia". Sobretudo porque temos apenas duas salas de parto, e o resto não passa de quartos comuns.
Certo. Entretanto, não existe nenhuma razão que impeça nosso hospital de transformar-se em um centro de referência. Acreditei que podia fazer a diferença quando vim para Crossbow, mas as coisas estão caminhando tão devagar...
Tenha paciência, Will. É sempre muito difícil conseguir dinheiro. Pena que não possamos criar um tipo de fundo para nosso centro. Quem sabe pudéssemos fazer as coisas à moda do antigo Texas e organizar alguns churrascos com dança e música?
É uma boa sugestão, Emily. Vou sugerir ao comitê.
Ela conteve um bocejo.
Então, além de modernizar nosso hospital, com o que mais sonha?
Também gostaria de estar ao lado de estudantes de medicina num programa de treinamento. Guiar um estu­dante para a área certa é um desafio. E uma escolha crítica em nossa profissão.
Emily achou graça. Willian tinha assumido o papel de mentor com muita facilidade. Seria brilhante como preceptor de jovens médicos.
E pretendo fazer o mesmo com meus filhos.
O uso do plural não passou despercebido a Emily.
Quantos pretende ter?
Uma dúzia, acho.
O quê? Willian gargalhou.
Enganei você! Dois ou três estará de bom tamanho.
Garotos ou garotas?
Isso não importa. Durante minha carreira, já vi várias pacientes que insistiam em ficar grávidas porque queriam um menino, por exemplo, para completar a família. Estou mais interessado na saúde deles do que em seu sexo. E quanto a seus sonhos?
A obstetrícia sempre foi minha área favorita da me­dicina. — Emily afagou o ventre. — Por isso fiquei tão excitada quando consegui uma posição nessa unidade. Al­gum dia gostaria de continuar meus estudos e me especia­lizar em partos, mas, por enquanto, isso vai ter de esperar. Pelo menos até que Kevin e o bebê tenham crescido.
Você se incomoda por precisar aguardar? — Willian colocou a mão sobre a dela.
Sem dúvida. — Emily procurava esconder quantas sensações maravilhosas eram provocadas por aquele toque. — Gosto de me sentir gratificada em minha profissão, como qualquer pessoa.
Emily podia até se incomodar com a demora, mas não pelo principal motivo que a causava. Afinal de contas, embora de­sejasse uma carreira, queria muito aquela criança de Willian.
Ele, aos poucos, subiu os dedos para a curva do seio de Emily.
Gratificação profissional... E se ela vier assim, bem devagar? — Willian desabotoou a blusa de Emily, revelando uma pele suave e perfeita.
Estará tudo bem para mim...
Willian rolou para fora da cama para se despir. Esque­cendo sua timidez, ela também tirou a calça de lycra, antes que o marido voltasse a se deitar. Instantes depois, os dois trocavam carícias ardentes.
Você é linda! — Willian beijou-a no pescoço e na nuca.
O fogo parecia brotar do interior de Emily, à medida que os dedos poderosos afagavam sua tez nua.
Você também, Will.
Logo depois do primeiro beijo, a verdade tornou-se clara como cristal. Na noite do baile de Natal, Emily e Willian tinham agido por causa de necessidades não satisfeitas. No entanto, nessa ocasião, procuraram um ao outro apenas por causa do amor.

Willian interceptou Tina quando ela colocava uma ficha médica de um paciente em um escaninho ao lado da sala de exames.
Pode me entregar isso. Tina sorriu, obedecendo-o.
Está apressado hoje?
Sim. Emily quer encontrar um berço esta tarde. Era o dia de folga dela, e como Willian só tinha pacientes marcados para o período da manhã, resolvera usar o tempo livre para começar a mobiliar o quarto do bebê.
Então já estão acostumados à rotina da vida de ca­sados, dr. Patton?
Mais ou menos, Tina. — Por um momento, ele pensou nas atividades da semana anterior com certa melancolia.
Depois da viagem surpresa de lua-de-mel para um hotel em Las Vegas, tinham passado os dias seguintes pintando os dormitórios e ajeitando a casa antes que Kevin, Ellen e o restante da mobília fossem levados para lá. Aquela seria a primeira vez em que todos dormiriam sob o mesmo teto.
Bem, divirtam-se e façam muitas compras. Existem coisas lindas para bebês em vários e bons lugares. — Tina girou sobre os calcanhares, e de repente parou. — Oh, ia me esquecendo! Emily ligou e pediu para você ligar para ela assim que pudesse.
Farei isso, muito obrigado.
Willian consultou o relógio de pulso e decidiu telefonar antes da consulta com o casal Fairchild. Assim que o telefone completou seu primeiro toque, ela atendeu.
Deve estar sentada ao lado do telefone — ele brincou.
Emily não respondeu à brincadeira, deixando-o um tanto preocupado.
A dra. Hathaway quer que nos encontremos com ela em seu escritório assim que for possível, Will.
E falou por quê?
E algo a respeito de meu exame de sangue. — Emily fez uma pausa. — Há algo errado com o bebê.

CAPÍTULO IX

Estou a caminho — Willian avi­sou, tenso.
Estarei pronta. — Emily lutava contra o pavor, ao colocar o fone no gancho.
Desde que a dra. Hathaway ligara, sentia que estava à beira da histeria. Falar com Willian fizera com que se sentisse um pouco melhor, pois sabia que ele a ajudaria naquele tipo de coisa. Entretanto, cada pequeno problema de gestação que conhecera em seus anos de trabalho veio-lhe à memória.
Quinze minutos depois, o carro de Willian estacionou na frente da casa. Mas antes mesmo que ele tivesse freado por completo Emily já estava correndo em sua direção.
Diga-me o que Susan lhe disse — Willian pediu assim que Emily entrou e colocou o cinto de segurança.
Não foi muito. Apenas solicitou que eu fosse a seu consultório no primeiro horário livre para discutir o resultado de meus exames. — Engoliu com dificuldade, pois sentia a garganta seca. — A dra. Hathaway não iria me alarmar se o resultado desses testes fosse normal, não é mesmo?
O silêncio momentâneo de Willian quase servia como uma resposta.
Até que ouçamos o que Susan tem a dizer, estaremos tentando adivinhar, só isso.
Emily respirou fundo.
Você está certo. Numa ocasião dessas, minha experiência profissional é um tormento... Eu sei demais.
Willian tocou os dedos dela, tranquilizando-a.
Vamos nos informar antes de tirar qualquer conclusão precipitada.
Certo. — Emily se esforçou para sorrir.
O casal entrou na ala clínica do hospital, dirigindo-se ao consultório da dra. Hathaway. Emily assinou o registro an­tes de se sentar em uma cadeira ao lado de Willian, tentando não notar o grande número de mulheres grávidas e mães com seus bebês nos braços, aguardando sua vez.
De qualquer forma, lembra que eu havia mencionado sua idéia de organizar um comitê de fundos para Greg Olivier?
  Sim. — Emily apreciava aquele esforço de Willian para distrair sua atenção.
  Greg esteve sondando algumas pessoas nos últimos dias. Depois de ter ouvido comentários positivos, quer mon­tar um grupo para dar andamento.
Excitada pela novidade, Emily apertou a mão do marido.
  Que maravilha!
  Vai levar algum tempo para organizar os detalhes, mas acho que dará para organizarmos um evento que coin­cida com o Dia da Independência.
  Isso nos dá várias semanas, Will. Não é muito, admito, mas, se concentrarmos esforços, poderemos fazer que aconteça.
  Também creio nisso.
  O excesso de trabalho tem demonstrado que nosso espaço é insuficiente. Por isso acho que a maioria da equipe nos apoiará.
Antes que Willian pudesse responder, a enfermeira da dra. Hathaway chamou por Emily. Ela levantou-se com o pulso acelerado.
Susan entrou na sala de exames logo depois que a en­fermeira saiu, e sua expressão era solene.
  Estou feliz que tenha vindo também, Will.
  O que está acontecendo, Susan?
O medo que Emily tinha tentado controlar desde que recebera o telefonema da médica dominou-a por completo.
Seu olhar não parava de alternar-se entre Willian e Susan, como se estivesse se preparando para o pior.
Cerca de dez dias atrás fizemos uma bateria de exames de rotina, e os resultados chegaram ontem. — A doutora olhou para Emily e para o envelope que segurava. — Incomoda-se se ele vir isto?
Emily fez que não. A médica entregou o relatório, e Wil­lian começou a analisá-lo.
Diga o que há, doutora.
Sua alfa-fetoproteína é elevada, Emily. Isso pode significar...
Eu sei o que pode significar.
O nenê poderia apresentar defeitos neurológicos, defor­midade neurotubal, anencefalia e outros problemas. Já vira crianças naquelas condições, e seu coração enchera-se de dor por causa dos pais. Não era possível que estivesse acon­tecendo com ela.
Precisamos fazer um ultra-som anatômico completo.
Você não fez nenhum ultra-som antes, Susan? — Wil­lian a fitou com dureza.
A médica meneou a cabeça.
Como Emily pôde determinar a data exata da concepção, não vi necessidade de fazer isso antes. Agora não teremos outra escolha.
Willian tentou falar, mas Susan impediu-o.
Nosso técnico de ultra-sonografia vem a meu consultório toda sexta-feira. Vocês podem esperá-lo por alguns dias ou devo mandá-los até ele hoje mesmo?
Os olhares de Willian e Emily se encontraram.
Não sou muito boa quando se trata de esperar.
Iremos — ele decidiu.
Providenciarei os detalhes. Embora a família de Emily não apresente um histórico a esse respeito, sua profissão a coloca em alto risco, por isso devemos cobrir todas as possibilidades.
Emily recordava ter lido estatísticas mostrando como en­fermeiras pediátricas e de quimioterapia corriam maior perigo de apresentar tal distúrbio do que a maioria das pessoas.
Depois dos resultados, terão pouco tempo para decidir se vão querer interromper a gravidez ou não — Susan advertiu.
O instinto maternal de Emily entrava em conflito com seu julgamento profissional, mas ela preferia evitar pensar naquilo.
Algo mais pode causar uma alta taxa de alfa-fetoproteína, doutora?
Foi Willian quem respondeu:
Hemorragia fetal, por exemplo... ou gêmeos. Existe algum histórico de múltiplos nascimentos entre seus familiares?
Não. — Emily jamais imaginara estar esperando gêmeos. Mas, considerando as opções, até que era uma possibilidade agradável.
Vamos cuidar de uma coisa de cada vez. — Susan estendeu o estetoscópio para Willian. — Já que perdeu a consulta do último mês, gostaria de ter a honra de ouvir os batimentos?
Willian não precisou de um segundo convite. Num instante, colocou o aparelho nos ouvidos, pressionando a outra ponta na região abdominal do diafragma. Um sorriso surgiu em seus lábios ao ouvir o familiar som das batidas do coração do bebê.
Um instante depois, devolveu o estetoscópio para Susan com certa relutância.
É diferente quando o filho é seu, não é? — A médica sorriu.
Willian assentiu.
Tudo bem, então. Emily, enquanto telefono, comece a beber água.
Menos de uma hora depois, a técnica espalhou o gel sobre o ventre de Emily, começando o exame. Embora soubesse que era infrutífero, seus pensamentos concentravam-se no desapontamento que Willian sentiria se o teste revelasse uma deformidade. Ele já desistira do tipo de mulher que desejava por causa da criança.
Willian permaneceu ao lado dela, cheio de carinho, en­quanto a técnica fazia seu serviço.
Desejando ver-se livre de qualquer preocupação, Emily se virava a cada instante para o monitor, tentando identi­ficar as estruturas fetais, a cabeça, os braços, as mãos. Mas esse esforço não parecia fazer efeito.
A pressão dos dedos de Willian sobre seu pulso aumentou. O olhar dele estava fixo na imagem cinzenta e granulada. De repente, ele inclinou-se para a frente, tenso.
O que você está procurando, Will?
Sinais. Como você sabe, a pista para se identificar defeitos neurotubais pode ser uma espinha aberta. Outras pistas são uma cabeça com circunferência em forma de li­mão, ou um cerebelo longo.
A ultra-sonografia mediu a cabeça do feto com marcas computadorizadas. Por fim, desligou o equipamento e co­meçou a limpar o gel do abdome de Emily.
Terminou — ela disse, num tom neutro.
Você encontrou alguma coisa? — Emily demonstrava toda sua angústia, rezando para que a atitude despreocu­pada da jovem fosse um bom sinal.
Bem... As proporções do bebê parecem estar nos padrões.
Isso quer dizer que ele está bem, Will?
Ele fez um gesto vago.
Ainda não podemos dizer com certeza. Muito embora essa notícia seja muito encorajadora.
E o que vem a seguir? — Emily indagou.
Vamos ter de fazer uma análise do líquido amniótico.
Isso nos dará o diagnóstico final?
Willian suspirou.
Uma taxa normal de alfa-fetoproteína no líquido amniótico é um bom sinal. Já níveis elevados podem confirmar má deformação.
Quer dizer que, nesse caso, precisaremos nos preparar para ter uma criança deficiente... — Emily esperou pela reação de Willian, que permaneceu com uma expressão límpida e impenetrável como uma estátua.
Não necessariamente. Mesmo que o resultado seja positivo, há uma margem de erro de dez por cento.
Os ombros de Emily ficaram mais tensos, ao preparar-se para a resposta de Willian para a próxima questão:
E o que vamos fazer?
"Por favor, Will, não sugira um aborto."
Isso depende de quanta sorte acha que tem.
Ela lembrava-se de um comentário que o marido fizera certa vez: "Uma pessoa faz sua própria sorte". Sem dúvida nenhuma, Willian não era do tipo que gostava de deixar as coisas acontecerem ao acaso.
O que você gostaria de fazer, Emily?
Quero esperar que o bebê nasça, Will.
Se ele ou ela tiver algum defeito, não será fácil para você.
Eu sei.
Só queria ter certeza de que você compreende as consequências.
Claro que sim. Porém, vamos fazer os exames primeiro, e depois decidimos.
Está bem.
Na semana seguinte, os exames mais detalhados foram realizados, e Willian esteve sempre ao lado de Emily, terno e amoroso.
Emily voltou ao trabalho, determinada a não atormentar-se mais até a próxima consulta. Para isso, contou com a ajuda do fluxo ininterrupto do hospital.
Quando voltou ao consultório da dra. Hathaway, Willian mais uma vez estava presente.
Esperava que a taxa de alfa-fetoproteína estivesse normal.
Eu também. — As mãos de Emily tremiam muito, e seu desapontamento era óbvio.
Entretanto, isso não aconteceu. Contudo, como o ultra-som não revelou nenhuma anormalidade, há uma chance de tudo estar bem com a criança.
Mas não podemos ter certeza, Susan.
Não saberemos até que o bebê nasça, Will. Enquanto isso, vocês devem se preparar para o pior. Se quiserem, faremos outra ultra-sonografia.
Não — Emily cortou-a. — Não pretendo passar os próximos três meses procurando por problemas. E, mesmo que aparecesse alguma anormalidade, seria tarde demais para tomar uma atitude.
Willian espantou-se com a veemência de sua mulher. Por alguns minutos, um pesado silêncio os envolveu.
  Se é assim que você se sente...
  É sim, Will.
Willian encarou Susan Hathaway, sem conseguir escon­der sua apreensão.
Você a ouviu.
Os olhos da médica se estreitaram.
Parece justo.
Algumas semanas se passaram. Emily e Willian voltaram à rotina. O único problema era o comportamento de Willian, cada vez mais arredio. Desde que haviam saído da consulta da dra. Hathaway, ele se recusava a comentar sobre a pos­sibilidade de o bebê vir a apresentar anomalia, e mudava de assunto sempre que Emily tentava conversar.
Como se comprometera a chefiar o comitê para angariar fundos para o hospital, usava aquilo como desculpa para trabalhar horas a fio, primeiro em seu consultório, depois com a organização de um grande jantar beneficente.
Jacqueline Olivier também fazia parte do comitê, graças a seu grande "traquejo social", e observá-la ao lado de Willian dia após dia não era nem um pouco agradável para Emily.
A mulher fazia questão de provocar Emily, contando como era estimulante o serviço com Willian, e descrevendo os grandes planos que faziam para o banquete.
Emily, muito ocupada para fazer parte da organização, limitava-se a ver Jacqueline ganhar a fama por uma idéia que fora dela.
Porém, o pior era pensar que o comportamento de Willian na verdade podia ocultar o fato de ele estar questionando seu casamento. O marido talvez estivesse ponderando se valia mes­mo a pena manter um relacionamento tão complicado, compa­rando sua mulher com aquela jovem loira sofisticada e poderosa.
E Emily sabia que, se fosse esse o jogo, estava em franca desvantagem. Jamais poderia competir com uma moça que parecia ser a materialização dos sonhos de Willian.

CAPÍTULO X

O tempo parecia passar cada vez mais depres­sa, e Emily logo atingiu o sétimo mês de ges­tação. As coisas entre ela e Willian não haviam mudado, mas Emily esperava que, após a realização do banquete, na noite seguinte, tudo voltasse ao normal. Enquanto isso, também usava o trabalho para fugir de suas preocupações.
Qual é o quadro?
Emily encarou Bernie, um dos enfermeiros da emergên­cia, com muita seriedade, enquanto ele ajudava Willian e Molly a empurrar a maca para fora do elevador, dirigindo-a para a sala de parto.
Uma mulher com deficiência mental, aparentemente sem histórico de cuidados pré-natais. Ela apareceu na emer­gência sem entender por que estava com dores terríveis na barriga. Sua bolsa se rompeu, mas não conseguimos ouvir nenhuma pulsação.
  Meu Deus! — Emily exclamou.
  Boa sorte. Vocês vão precisar.
  Obrigada, Bernie. Alguém encontrou um membro da família?
Bernie meneou a cabeça.
Chamamos a assistente social, Emily, e ela está tentando localizar o namorado. Espero que ele esteja em condições psicológicas melhores do que Ramona, embora tenha minhas dúvidas.
Depois de dizer isso, o homem saiu pela porta, para voltar à rotina estressante de seu setor.
Um grito vindo da cama, seguido pela voz de Willian em tom confortador, despertou a atenção de Emily, fazendo-a correr em seu auxílio. Willian, todavia, tinha outras idéias.
Você não devia estar aqui, Emily. A criança já está morta. Emily deu de ombros.
Não há mais ninguém.
As feições sérias de Willian revelavam seu aborrecimento. Mesmo assim, ele assentiu.
Ramona, Emily é uma de nossas enfermeiras, e será sua amiga enquanto estiver aqui.
A moça lançou um olhar assustado a Emily, e então voltou a chorar baixinho.
Vamos colocar um monitor — Willian planejou.
Molly lhe entregou os equipamentos, e, enquanto Emily encorajava Ramona, Willian posicionou o eletrodo no alto da cabeça do bebê.
Todos os olhares focalizaram a tela do monitor.
  Devemos fazer uma cesariana, doutor?
  Não, Molly. E tarde demais.
Uma tristeza imensa fez o peito de Emily se apertar. Tomou a mão livre de Ramona nas suas e apertou-a bas­tante. Embora fosse desnecessário, deveria ficar ali pres­tando apoio moral à moça. O restante da equipe se concen­trava na rotina médica.
Apenas relaxe, Ramona, e empurre quando sentir seu estômago se contrair — Emily instruiu.
Os olhos da moça pareciam sem vida, demonstrando que estava espantadíssima com as mudanças em seu corpo. De qualquer forma, obedeceu as instruções de Emily, pelo me­nos até que o nenê fosse mencionado mais uma vez.
Um bebê? Como uma criança foi parar em mim? Não comi semente de melancia...
Emily conteve um suspiro, imaginando como poderia res­ponder àquela pergunta sem nexo. Encarou Willian, que também não sabia o que dizer.
Naquele instante, outra contração fez com que Ramona esquecesse a dúvida.
Faça isso parar! — ela gritou, contorcendo-se. — Quero ir para casa!
As duas enfermeiras tiveram de fazer certo esforço para segurar a garota.
Ramona, fique deitada. Não poderemos fazer nada a respeito da dor se você não cooperar.
Ramona ignorou Willian. Sua angústia lhe dava uma for­ça sobre-humana.
Willian deixou escapar um suspiro e se dirigiu a ela com rapidez:
Não importa quem seja, Emily, mas traga outra pessoa para ajudar, e vamos levar Ramona para a sala de parto.
Jacqueline colocou a cabeça na fresta da porta naquele mesmo instante.
Está tudo sob controle? — perguntou, num tom muito doce.
Que bom que está aqui! Preciso que ajude Emily agora.
Jacqueline pareceu surpresa, como se jamais tivesse po­dido imaginar a possibilidade de Willian aceitar sua oferta. De qualquer forma, entrou na sala com relutância, ajudando a transferir Ramona para uma maca.
Mais uma vez, Emily quis saber se a sofisticada Jacque­line se sujeitava a trabalhar naqueles casos dramáticos ape­nas para poder se aproximar de algum médico rico.
Os trinta minutos seguintes foram tensos. Com o grupo já instalado na sala de parto, Molly e Willian concentravam-se na tarefa de remover a criança, enquanto Emily e uma ineficiente Jacqueline tentavam estimular a jovem Ra­mona a colaborar.
Logo que o pequeno corpo surgiu nas mãos de Willian, Emily apressou-se a ajudá-lo, deixando Jacqueline para con­solar Ramona.
Não pudemos fazer nada. — Willian entregou a natimorta.
O cordão umbilical havia se enrolado em torno do pescoço, e, pelo estado da pele, a criança devia ter morrido vários dias antes.
Emily perguntava-se se aquele parto poderia ter sido di­ferente se a mãe tivesse recebido cuidados pré-natais. Blo­queando a própria melancolia diante da necessidade de ser objetiva, envolveu a pequena no cobertor e limpou-lhe as faces antes de aproximar-se de Ramona.
Gostaria de vê-la?
Ramona lançou à filha um olhar desinteressado, sem fa­zer nenhuma menção de aceitar segurá-la. Depois de um breve momento, virou a cabeça e fixou-se na parede vazia.
Aquilo era de cortar o coração. Que triste pensar que nem mesmo a própria mãe pranteava aquele bebê...
Lágrimas amargas queimavam os olhos de Emily quando virou-se para colocar a menina na estufa. Tudo aquilo a fez pensar em como seria com seu filho.
Emily, você está bem?
Sim, claro, Will.
Ramona repousava em silêncio na mesa, muito mais coo­perativa, já que a dor havia diminuído.
Antes que Willian tivesse terminado o pós-operatório, Molly sussurrou para Emily:
Irei para o berçário.
Emily sabia que a amiga se referia à desagradável ocu­pação de cuidar da natimorta. Mas, por mais difícil que fosse, queria fazer aquilo sozinha.
Não, Molly, eu cuidarei do bebê.
Pelo menos deixe que eu o leve até lá embaixo, Emily.
Sabendo que "lá embaixo" era o necrotério, Emily assentiu.
Quando Molly e Jacqueline se puseram a levar Ramona para um quarto particular, Emily apanhou o nenê e lavou-o com carinho maternal.
Terminado o serviço, saiu para o corredor pronta para entregar a menina a Molly. Foi então que viu Willian ao lado do balcão da sala das enfermeiras, com o semblante fechado e os ombros curvados pela fadiga.
Antes, porém, que Emily pudesse chamar sua atenção, viu que Jacqueline se aproximava pelo corredor, indo direto até ele e segurando seu braço.
Aquilo foi terrível, dr. Patton. Não achei que pudesse suportar...
Emily observava horrorizada a rival chorar no peito de seu marido, insinuando o corpo para a frente, de maneira óbvia.
Willian a fitava com uma expressão estranha, e murmu­rou algo que Emily não pôde ouvir.
Molly aproximou-se.
O que está acontecendo?
A voz da amiga tirou Emily do transe. Aquela altura, ir ao necrotério parecia mais fácil do que ficar observando Willian e Jacqueline juntos.
Eu... vou lá para baixo.
O sorriso desapareceu dos lábios de Molly.
O que há de errado?
Emily indicou a direção de Willian.
Tenho de ir. — Ao dizer aquilo, Emily girou nos calcanhares e correu escada abaixo.
Em sua mente, alternavam-se a raiva e um extremo sofri­mento. Por estar grávida, sentira a dor da perda daquele bebê mais do que qualquer um na sala de parto. Mesmo assim, Jacqueline conseguira obter a simpatia de Willian criando uma cena em que fazia o papel de pobre desamparada.
Emily sempre fora muito boa em se tratando de esconder suas emoções, mostrando-se uma pessoa forte e capaz. Teria se sentido uma perfeita tola se recorresse às mesmas táticas de Jacqueline.
De qualquer forma, não se sentia menos furiosa ao ver que Willian não conseguia notar as verdadeiras intenções daquela mulher.
O necrotério estava vazio. Embora conhecesse a rotina de colocar o corpinho no refrigerador, não podia convencer-se a fazer aquilo.
Evidente que já desempenhara aquela tarefa várias vezes antes, sempre que fora necessário. Mas agora, sentindo uma criança crescer dentro de si, não conseguia fazer o mesmo. A filhinha de Ramona merecia um tratamento melhor e mais digno na morte do que recebera em vida.
Emily ficou caminhando de um lado para o outro, espe­rando que o atendente chegasse. O tempo ia passando, mas ela se recusava a abandonar seu posto.
Idéias confusas sucediam-se, e justo quando estava mais fragilizada, olhou para o corredor e viu a figura alta e más­cula de Willian parada na penumbra.
O que está fazendo aqui, Will?
Você sumiu, Emily.
A imagem de Jacqueline abraçando-o ainda estava muito nítida.
Eu sei. Estou esperando por Joe.
Willian limitou-se a apontar para o quadro de pessoal na parede ao lado.
Terá de aguardar bastante. O turno dele de hoje já terminou.
Emily olhou para a escala de serviço e depois para a menina, sabendo que seria incapaz de fazer o que era necessário.
Você não deveria estar aqui, Emily.
O tom gentil do comentário abalou a compostura dela.
Não posso deixá-la assim. — Emily, desolada, esperava que seu marido compreendesse o que lhe passava no íntimo.
— Não conseguirei enfiá-la no refrigerador, como se fosse um simples pedaço de carne...
Emily teve que fazer uma pausa para pigarrear e res­pirar fundo.
Willian pressionou os lábios, como se estivesse pensando. Um instante depois, ele falou:
— Volto já.
Daquela vez, a paciente espera de Emily foi curta, pois, cerca de cinco minutos depois, Willian retornou, carregando uma bandeja cirúrgica e um cesto. Depois de colocar tudo sobre uma mesa, estendeu os braços.
Emily entregou-lhe o bebê e observou-o estendê-lo sobre a bandeja com reverência, cobrindo-o em seguida com o pe­queno cobertor rosado que, decerto, apanhara do berçário. Em seguida, preencheu com rapidez um cartão de identifi­cação, colocando ao redor do pulso da menina. Sem dizer nada, Willian abriu um compartimento de adulto, posicio­nando a bandeja lá dentro com cuidado, antes de voltar a fechar a porta.
A sensibilidade da atitude dele foi tocante, e lágrimas correram pelo rosto de Emily, dissolvendo toda sua ira.
  Vamos para casa. — Willian enlaçou-a num abraço. Emily retirou um lenço do bolso e enxugou o pranto.
  Muito obrigada, Will.
  Não há por quê.
Willian conduziu-a até o hall de elevadores.
Eu... não encorajei Jacqueline. — Ele parecia conseguir ler os pensamentos dela.
Emily não respondeu. Não podia falar que estava tudo certo, porque não estava.
Mas também não a repeliu.
Jacqueline me pegou desprevenido. Estava esperando por você.
Mais uma vez, o silêncio. Emily estendeu o braço para apertar o botão outra vez. Willian segurou-a pela mão.
  Prometi ser fiel, Emily, e não vou voltar atrás em minha palavra.
  Você quer manter fidelidade?
Emily sabia que Willian era muito íntegro para traí-la, mas a possibilidade de ter um filho anormal não seria o bastante para afastá-los?
Em princípio, ele pareceu aturdido com a questão. Então, seus olhos faiscaram.
  Que tipo de pergunta é essa?
Uma muito importante, Will.
Naquele exato momento, o pager de Willian começou a tocar com uma mensagem urgente vinda do centro cirúrgico. A interrupção, claro, deixou-o bastante desgostoso.
Vou levá-la para casa — ele afirmou, assim que o elevador chegou. — Temos de conversar.
Emily apertou o botão do segundo andar assim que en­traram, e começaram sua rápida ascensão.
Sim, Will, mas não vou deixar meu carro no estacionamento do hospital a noite toda. Precisarei dele pela manhã.
As portas se abriram, e Emily saiu sem se virar, cami­nhando na direção oposta à de Willian.
Vejo você em casa. — Indo atrás dela, segurou-a pelos ombros.
Emily conteve um suspiro, evitando encará-lo.
Espero que sim.
Entretanto, a realidade se intrometeu entre os dois, pro­telando a discussão que Emily tanto desejava.
A emergência de Willian fez com que ficasse no hospital até a noite, e, quando ele chegou à residência, mal teve tempo de engolir o jantar que Ellen lhe preparara antes de apressar-se para ir ao centro de convenções para começar a organizar a decoração das mesas e do salão para a festa do dia seguinte.
Emily foi para a cama sozinha, e acordou cedo de manhã, ouvindo o som do chuveiro ligado. A marca da cabeça de Willian no travesseiro ao lado era evidente, mas sentia-se desapontada pelo fato de o marido ter se levantado sem acordá-la. Embora não fosse haver tempo para uma discus­são séria, uma simples troca de palavras de alguns minutos poderia afastar todos os seus temores.
Depois daquele evento, de qualquer forma, Emily não descansaria até que resolvessem todos os pontos pendentes do relacionamento.
Confortada pela decisão tomada, observou Willian, quan­do ele entrou no quarto, vestindo seu roupão de banho.
Não queria acordá-la — ele disse, enxugando os cabelos escuros com a toalha. — O trabalho vai começar cedo hoje.
Emily ergueu a cabeça e aceitou o formal beijo de bom-dia do marido.
Meu alarme biológico está funcionando muito bem. Acho que é por causa da gravidez. Se estiver tudo certo para você, gostaria de acompanhá-lo.
É melhor se apressar. Quero partir em uma hora.
Emily tomou uma ducha rápida, vestindo em seguida uma calça de algodão com lycra e um top para grávidas.
Desceu a escada e caminhou apressada até a cozinha, a tempo de ouvir a pergunta de Willian:
Quer nos ajudar na decoração? Acho que vamos precisar de auxílio extra.
Quando Emily se aproximou da mesa, notou que a ex­pressão do irmão era de absoluta alegria.
Que bom! Posso chamar os amigos?
Kevin, que a cada dia parecia mais seguro de si, vinha desenvolvendo sua capacidade de fazer amizades. Embora ain­da estivesse longe de ser o rapaz mais popular da escola, não usava mais as brigas como forma de resolver seus conflitos.
Só se prometerem não fazer bagunça.
Nós não faremos, Will, eu prometo. — Kevin dirigiu-se à irmã: — Vai ajudar também?
Emily ficará supervisionando. — Willian passava man­teiga na torrada. — Apenas mantenha-se longe da escada, entendeu, Emily?
Ela encarou-o com desdém.
Por acaso está insinuando que não sou tão graciosa ou coordenada quanto antes?
Que nada, Emi! — Kevin interveio. — Willian tem medo de que nenhuma escada seja forte o bastante para aguentar seu peso... — Os lábios do rapaz curvaram-se em um sorriso malicioso.
Emily levantou-se, fingindo estar afrontada.
Só por causa disso, rapaz, é você quem vai ajudar vovó a lavar os pratos!
Ora, Emi... Acho que sou o único garoto nesta cidade que lava pratos. Veja só minhas mãos! Se continuar assim, terei de usar aquelas loções que aparecem, nos comerciais de tevê.
Não discuta — Willian falou com um sorriso que con­tradizia sua ordem. — Quanto antes você terminar, mais rápido poderemos ir.
Chegaram ao centro de convenções pouco antes das nove, mas já havia um pequeno grupo de empregados do hospital trabalhando. Num piscar de olhos, várias pessoas se apro­ximaram de Willian.
Temos de arrumar mais espaço para mesas — uma fisioterapeuta avisou. — Não há assentos o bastante para acomodar todo o mundo.
Willian — um rapaz da contabilidade interrompeu-a —, onde quer que coloquemos as faixas e cartazes?
Emily observou com interesse como Willian lidava com cada questão que lhe faziam. Nesse meio tempo, uma moça do setor de nutrição perguntou se ela e Molly poderiam ajudar a encher os balões azuis e brancos.
Enquanto Emily operava o tanque de gás e Molly enchia e amarrava cada balão, ambas estudavam a atividade in­cessante ao redor.
Não estou vendo Jacqueline — Emily murmurou.
A nutricionista ouviu o comentário.
Ela foi a um salão de beleza em Dallas. Pelo jeito, os cabeleireiros locais não são bons o suficiente para a nobreza.
Isso me parece prenúncio de confusão... — Molly olhou de soslaio para Emily.
Se quer mesmo saber, Jacqueline não está fazendo a menor falta. Na verdade, estou feliz que não esteja aqui, pois sei que terminaremos muito mais rápido sem ela para nos atrapalhar. A garota é um problema, não me importo em dizer, mesmo sabendo que é a filha do administrador. Escutem o que digo: no final disso tudo, ainda é capaz de Jacqueline levar os créditos pelo que fizemos.
A mulher parou de falar para acompanhar a colocação da faixa de boas-vindas que ficaria atrás do palco.
Aí está, você ouviu... Todos falam o mesmo — Molly comentou. — Sinto-me melhor por saber que Jacqueline é tão inútil em outras coisas como é com a enfermagem.
Emily pensou que pelo menos em uma coisa a moça era boa: flertar com seu marido.
Horas mais tarde, quando o banquete começou, Willian caminhava pelo meio da multidão, alegre, conversando com várias pessoas com a maior facilidade. Aquele era seu mo­mento, e Emily estava orgulhosa por poder acompanhá-lo.
Usava o vestido mais bonito que conseguira encontrar, um modelo creme com delicados detalhes em renda no decote.
Comparada com o exuberante figurino de Jacqueline, en­tretanto, Emily considerava-se um patinho feio. A jovem usava um ousado vestido vermelho, e seus cabelos estavam muitíssimo bem penteados. Parecia pronta para dar o bote a qualquer momento.
E ele não tardou a acontecer, assim que Willian e Emily sentaram-se à mesma mesa que Jacqueline e seus pais. Jacqueline distribuíra os lugares de forma a poder mono­polizar a atenção de Willian. A Emily só restava conversar com o major Janssen e sua esposa.
Emily suportou todas as provocações durante a noite, contando inúmeras vezes até dez para não explodir. Forçava-se a sorrir, quando sua vontade real era gritar, ainda mais ao perceber que o marido parecia bastante à vontade conversando com Jacqueline.
Enfim, o jantar terminou, e Willian e Jacqueline subiram ao palanque para agradecer a todas as pessoas que haviam tornado aquele evento possível. Emily concentrou o olhar em Willian, tão bonito num smoking quanto em seu avental cirúrgico.
Enquanto ele contava uma série de piadas ensaiadas, Jacqueline segurava em seu braço de uma maneira bastante íntima e familiar, o que fez uma ponta de ciúme quase incontrolável acelerar a pulsação de Emily.
Observar os dois juntos fez com que percebesse o quanto se enganara. Não era o tipo de esposa para Willian. Por mais que se esforçasse, Emily Patton pertencia aos basti­dores, e não à ribalta.
Lembrou-se de todas as vezes em que fora tratada com gentileza e honradez por Willian Patton, e decidiu que era hora de retribuir. E a melhor forma de fazer aquilo era deixá-lo livre para encontrar alguém mais conveniente para seu projeto de vida. Alguém como... Jacqueline.
Por mais que o amasse, aquela era a coisa certa a fazer.
Quando outra salva de palmas interrompeu o discurso, Emily afastou a cadeira e levantou-se.
Por favor, me desculpem. — E encaminhou-se à saída.
O que há de errado? — Molly interceptou-a.
Estou indo embora — informou rápido, para conter as lágrimas.
Está enjoada? E alguma coisa com o bebê? Deixe-me chamar Willian...
Não, Molly, não é a criança, e não quero Will. Pode me chamar um táxi?
Mas, Emi, você precisará estar presente para compar­tilhar com Willian o grande momento dele.
Jacqueline está fazendo as honras — Emily declarou com amargura. — E então, vai me chamar um táxi?
Está cometendo um erro, querida.
Não, estou consertando um.
Do que está falando?
Esqueça isso. Só me arrume um carro, sim?
Para onde irá?
Para minha antiga casa.
Acontece que está vazia, Emi!
Não completamente. E preciso passar algum tempo sozinha, sem ser incomodada.
Molly fez um gesto para um dos manobristas, que logo falou no rádio, pedindo um táxi.
Não faça isso, amiga. Volte para seu lar.
Tenho certeza de que estou tomando a melhor decisão, Molly. Apenas lhe peço um favor: não conte a ninguém para onde vou.
Entretanto, e se algo acontecer com você, ou com o bebê?
Chamarei os paramédicos. — Emily sorriu. — Vejo você na segunda-feira.
Caminhando ao encontro do automóvel, ela não olhou para trás uma vez sequer. Afagando seu ventre, murmurou:
Oh, filhinho! O que vamos fazer agora?

CAPÍTULO XI

A distância, Willian observou Emily deixar a festa. Embora estivesse sorrindo, parecia estranha, tensa.
A pergunta que ela lhe fizera na véspera ainda ecoava em sua mente: "Você quer manter fidelidade?". Ignorara sua vida pessoal por tanto tempo que não percebera como aquilo podia ter afetado seu casamento.
Quando a audiência riu de mais uma das piadas de Jacqueline, Willian voltou a perceber a presença da moça a seu lado, pendurada em seu braço.
A comparação com Emily foi inevitável, e, no íntimo, ele sentiu-se feliz por ter se casado com a mulher certa. Precisou se controlar para chegar ao fim da apresentação sem em­purrar para bem longe aquela jovem inconveniente.
Mas, assim que a cerimônia terminou, Willian deu-lhe as costas e quase pulou do palanque, caminhando até a mesa.
Aonde Emily foi? — perguntou à mãe de Jacqueline.
Ela não disse. Acho que estava irritada. — A mulher lançou um olhar de desgosto para a filha.
Jacqueline insinuou-se mais uma vez, tocando Willian.
Will, ela deve estar descansando em algum lugar, e voltará logo. Vamos nos divertir.
Com toda a calma, Willian se esquivou dela.
Se você fizer isso mais uma vez, Jacqueline, não serei responsável pelos meus atos — avísou-a, frio, sem se importar com a presença dos pais dela.
Jacqueline encarou-o, espantada.
Bem...
Willian ignorou-a e afastou-se, para procurar por Emilv Depois de uma busca infrutífera, viu Molly, e correu em sua direção.
Onde está minha mulher?
  Como assim?
  Vi vocês duas conversando. Aonde ela foi? Molly afastou-se um pouco.
Emily queria ficar sozinha, para poder pensar melhor. Mas você é um tratante, fingindo estar preocupado com sua mulher depois de deixar aquela... imbecil se insinuar tanto, sabendo que Emily está tão insegura!
A culpa forçou-o a se calar.
Emily nunca disse...
Claro que não, seu tonto! Se você tivesse medo de não estar à altura da pessoa que ama não faria o mesmo?
Willian passou os dedos entre os cabelos. A simples pos­sibilidade de ser abandonado por Emily o deixava aterro­rizado. Como pudera ser tão idiota?
Para onde Emily foi?
Não vou lhe dizer. — Molly o fitou, impassível.
Ellen sabe? Se eu chegar em casa sem Emily, Ellen ficará apavorada. Quer ter isso em sua consciência?
Molly mordiscou o lábio inferior.
Pelo menos há um telefone no lugar onde minha mu­lher está?
Acho que sim.
Pelo amor de Deus, Molly, ela está no sétimo mês de gestação! E se acontecer algo?
Molly hesitou.
Eu perguntei a mesma coisa, mas Emily não quer vê-lo. Receia se machucar ainda mais.
Não vou magoá-la, Molly... Eu a amo! Por favor, onde Emily está?
Molly arqueou as sobrancelhas.
Se você feri-la, vou tornar sua vida um inferno!
— Nada do que possa fazer será pior para mim do que viver sem Emily.
Tudo bem, eu desisto. Ela foi para sua antiga residência.
Willian esboçou um leve sorriso e beijou Molly no rosto.
Muito obrigado! — E correu para o estacionamento logo em seguida.
Quando chegou, Willian viu que todas as luzes estavam apa­gadas. Bateu na porta da frente, mas, como esperava, não obteve resposta. Num gesto dominado pela frustração, girou a maça­neta. Para sua surpresa, Emily não se trancara lá dentro.
Entrou e acendeu as lâmpadas do hall, caminhando direto para o quarto de dormir. Estava no corredor quando a porta do quarto foi aberta e Emily, com uma expressão assustada, apareceu.
Willian! — Pareceu incrêdula a princípio, mas logo tornou-se firme. — O que está fazendo aqui?
Ele entrou no aposento e apertou o interruptor.
Ia lhe fazer a mesma pergunta.
Vim à procura de paz e tranquilidade, Will.
E eu porque estava preocupado. Que maluquice é essa de não trancar a porta? Qualquer um poderia entrar!
Emily cruzou os braços, encarando-o com uma expressão teimosa. Quisera passar a noite só para colocar as idéias em ordem, ensaiando o que deveria dizer. Porém, já que Willian se apressara, falaria tudo o que tinha na cabeça.
  Quero o divórcio. — Emily sentou-se na cama. Willian acomodou-se a seu lado.
  Nosso primeiro ano ainda não se acabou.
  Não sou a mulher que você quer, Will.
  Quem disse?
Emily ergueu as mãos, exasperada.
  Nós não combinamos.
  Discordo.
Tomada por emoções conflitantes, Emily levantou-se e começou a caminhar de um lado para o outro.
Não seja ridículo! Você quer alguém como Jacqueline, e eu não sou assim. Sou apenas uma moça comum.
Graças a Deus.
Nunca serei tão sofisticada, Will. Gostaria de ser, e até mesmo tentei, mas isso é para gente como o comentário de Willian, por fim, foi processado por seu cérebro e ela encarou-o, piscando. — O que disse?
  Estou feliz por você não ser como Jacqueline. Os olhos de Emily se estreitaram.
  É mesmo? Por quê?
Porque ela é egoísta, incapaz de se doar, a não ser que receba algo e troca. Mulheres sofisticadas como Jacqueline e Celine requerem constante atenção e, para ser honesto, não me excitam nem um pouco.
Emily mal acreditava no que ouvia.
Você, por outro lado, Emily, é gentil e generosa. Faz tudo ao redor ficar interessante. E, o que é mais importante: é responsável por minha existência valer a pena.
Emily permaneceu calada. Willian olhou no fundo de seus olhos castanhos, apertando as próprias mãos, bastante nervoso.
Não tinha percebido até pouco tempo atrás o quanto eu admirava essas características, querida.
Emily assumiu uma expressão desconfiada.
A mim pareceu que estava gostando muito da com­panhia daquela loira oferecida, Will.
Fiz o que achava certo, mas, depois que você foi em­bora, vi que nada mais importava. Sabe por quê? Porque a única pessoa que eu queria impressionar tinha partido. Foi quase impossível trabalhar com Jacqueline nesse pe­ríodo todo, mas estava obcecado com a idéia de provar que era capaz. Por isso tolerei tudo. Entretanto, acabei ferindo você no meio do processo. Sinto muito.
Emily sabia o quanto era difícil para Willian se desculpar, e tinha certeza de que ele estava sendo sincero. Contudo, ainda não estava pronta para jogar toda a cautela pelos ares.
É fácil dizer essas coisas agora que o trabalho do comitê acabou. No entanto, o que vai acontecer da próxima vez?
Willian sorriu, melancólico.
Duvido que existirá uma próxima vez. Acredito até que vou perder todos os meus privilégios no hospital.
Por quê?
Porque mandei Jacqueline me deixar em paz. Na frente de todos.
Sentindo os joelhos falsearem por causa da surpresa, Emi­ly cobriu a boca com os dedos.
  Não pode ter feito isso!
  Mas fiz, e, se não acredita, pergunte aos presentes.
  Por que fez algo tão tolo? Willian tomou-a nos braços.
Porque você significa mais para mim do que fama e fortuna. Tente compreender que quis tudo isso no passado. Porém, depois que você surgiu, tudo mudou. Sempre foi muito franca e emocional, Emily, e demorei um pouco para me acostumar a essas virtudes.
Willian fez uma pausa.
Quando você deixou o banquete, me dei conta, de uma vez por todas, o quanto a quero comigo. Não Jacqueline, ou Celine. Apenas você.
O pranto a impedia de falar. Não duvidava dele.
Will...
Eu te amo, Emily.
Você nunca disse... — Ela soluçou. — Eu pensei... achei que...
Sempre fui um homem muito fechado. É difícil, para mim, revelar coisas que significam muito.
Mas essa é a base de qualquer relacionamento, Will.
Sei disso. Entretanto, também foi por isso que não pude falar mais abertamente sobre o bebê... apesar de não esquecer o assunto um instante sequer. Acho que foi o que me levou a me dedicar tanto ao serviço do comitê. Era uma espécie de fuga.
Emily ficou quieta por um momento. —Acreditei que estava arrependido de termos nos casado, Will. E com a possibilidade de ter um filho com problemas...
De jeito nenhum. Nunca me arrependi de nada. Na ver­dade, fiquei até mesmo irritado quando Bert obrigou-a a se casar. Queria que me aceitasse por vontade própria, querida.
Não fui obrigada, Will. Tomei minha decisão antes do ultimato de titio, pois já o amava.
Então por que mencionou a possibilidade de divórcio após um ano?
Não queria que você se sentisse chantageado. Se qui­sesse partir, estava pronta para deixá-lo livre.
Sinto muito, garota. — Willian apertou-a de encontro ao peito. — Serei todo seu pelos próximos cinquenta anos, ou mais.
Nem tudo vai correr de acordo com o planejado, você sabe.
Certo. Nada em nosso relacionamento foi assim. Por isso, sei que continuarei a fazer planos, mas conviverei com o imprevisível, como você faz tão bem. Na verdade, nunca me senti tão vivo antes.
E quanto a seus sonhos de fama e poder?
Pode não acreditar, Emily Patton, mas você preenche todos os requisitos que eu pretendia encontrar em uma mu­lher. E, além disso, tem teimosia e determinação suficientes para temperar todo o resto.
Naquele momento, o bebê chutou bem no lado do corpo que ela encostava em Willian, fazendo-o sorrir.
Viu? Nosso filho concorda!
Para total satisfação de Emily, Willian estava certo.

Susan Hathaway falava com Emily, em um dia ensola­rado no final de agosto:
Não podemos esperar mais.
As duas estavam na sala de parto. Emily sentia dores horríveis por causa das contrações.
Temos de esperar, doutora. — Emily cerrou os dentes.
— Willian ainda não chegou.
Então, Willian apareceu, vestindo seu avental.
Precisava escolher justo a hora em que estava fazendo outro parto, meu amor? — Willian piscou, bem-humorado.
Reclame com o nenê, papai. Como está a outra mamãe?
Muito bem, assim como seu garoto.
Certo, Will, é hora de ser útil — Susan interrompeu-os.
— Comece a empurrar, Emily.
Ela respirou fundo quando sentiu a próxima contração. Enquanto isso, Willian segurava sua mão, estimulando-a.
— A cabeça já saiu! — Mais um empurrão, e já Susan segurava o pequeno corpo. — Bem, vejam só! Parece que um obstetra também pode se enganar. Segure sua filha, Will.
Willian apanhou o bebê.
— Olá, boneca!
Emily não podia mais suportar o suspense.
— Como é ela?
— Linda, Emi! — A emoção quase o impedia de falar. — Perfeita, da cabeça aos pés.
— Tem certeza, Will?
Quando Willian retornou para o lado da cama carregando a menina, ostentava um sorriso de orelha a orelha.
— Não acredita em mim?
Emily precisava ver para ter certeza. Esperara muito, e merecia a verdade.
Quero vê-la.
Mandona, hein? — Willian brincou, retirando a coberta que cobria o bebê.
Lágrimas de alívio e felicidade obscureceram por um ins­tante a visão de Emily.
— Will! Ela é perfeita, mesmo!
Logo, Willian voltou a cobrir a pequena.
— E pensar que você duvidou de mim! — Ele meneou a cabeça, zombeteiro. — Ouviu isso, Susan? Não mereço nem um pouco de respeito.
A dra. Hathaway achou graça.
— Comece a se acostumar com isso, papai. — Susan aproximou-se e acariciou o rosto da criança. — Que doçura... Já escolheram o nome?
— Ângela Marie — Emily respondeu.
Era uma mistura dos nomes das mães de ambos. E a ex­pressão de Willian revelava quanto ele apreciara a escolha.
— Guarde minhas palavras, Emily. Posso apostar que esse anjinho vai ter o papai na palma da mão.
Por fim, Willian colocou a filha nos braços de uma im­paciente Emily.
— Sim, como a mamãe.
Emily olhou para Ângela. Tinha um marido fiel e amoroso e uma filha saudável. Sem mencionar o irmão e a avó ma­ravilhosos, que esperavam lá fora para serem apresentados.
Ao contrário do que Willian sempre imaginara um dia, a sorte tinha sorrido para todos eles.

Fim

Dicas

Por que meu médico não receita antibióticos quando tenho dor de garganta, resfriado ou tosse?
Porque os antibióticos não têm nenhum efeito sobre essas afecções. Apenas enfermidades causadas por bactérias podem ser curadas com antibióticos. Gripes e resfriados, assim como muitos problemas de garganta, são provocados por vírus.

O ano passado precisei tomar antibióticos, e ainda possuo várias cápsulas guardadas. Posso tomá-las caso volte o mesmo tipo de infecção?
Os antibióticos devem ser usados exclusivamente sob indi­cação médica, e sempre respeitando-se o prazo de validade.

Tomo pílulas anticoncepcionais. Se eu precisar de an­tibióticos, haverá alguma reação?
A maioria dos antibióticos não afeta a ação das pílulas an­ticoncepcionais. Mas a rifampicina destrói completamente seu efeito, e um outro tipo, a ampicilina, o diminui. É im­portante, por isso, avisar o médico quando se toma pílulas. Ele indicará o medicamento mais adequado.

É verdade que o álcool destrói o efeito dos antibióticos?
Os antibióticos podem ser administrados, em sua maioria, sem nenhuma restrição à ingestão de bebidas alcoólicas. Quando o álcool compromete a ação do medicamento, isso consta na bula. Convém lembrar, contudo, que os medica­mentos sobrecarregam o funcionamento do fígado, que, por sua vez, é comprometido pela bebida alcoólica.

Faz mal tomar antibióticos durante a gravidez?
A tetraciclina, por exemplo, pode causar descoloração nos dentes da criança.
A menos que seja essencial à saúde da mãe, nenhuma droga deve ser tomada durante a gravidez. Consulte seu médico sobre os perigos de cada medicamento.

Antibióticos e suas indicações:

Penicilinas
O grupo mais conhecido e usado.
Tipos mais comuns: penicilina G (geralmente injetável), penicilina V, ampicilina e outros derivados chamados de penicilinas sintéticas.
Indicações: pneumonia, meningite, sífilis, gonorréia, cis­tite, infecções urinárias, bronquite, abscessos, inflamações agudas e purulentas e algumas formas de amigdalite.

Tetraciclinas
Grupo de antibióticos desenvolvidos depois da penicilina, com espectro consideravelmente amplo e efetivo. Os tipos mais comuns são geralmente administrados por via oral.
Indicações: infecções respiratórias e urinárias, acne, rosácea, infecções das partes moles dos ossos e dos seios da face (sinusite).

Eritromicinas
Os tipos mais comuns são geralmente administrados por via oral: eritromicina, eritropedilosone.
Indicações: infecções respiratórias e dos tecidos moles, infecções urinárias e bronquite, infecções graves dos ossos e dos seios da face.

Cefalosporinas
Grupo desenvolvido mais recentemente, originalmente.
Indicações: infecções respiratórias, genitais, dos tecido, moles e do ouvido.

Diversos
Há muitos antibióticos, de vários tipos, usados com menos frequência. Nesse grupo incluem-se a cloromicetina, estroptomicina, doxiciclina, gentamicina e lincomicina.
Indicações: vários tipos de infecções, febre tifóide, me­ningite e tuberculose.
As sulfonamidas, anteriores à penicilina, não são propriamen­te antibióticos, mas sua ação assemelha-se à deles no combate às bactérias. Podem ser usadas contra infecções tratadas também com antibióticos. Algumas drogas usadas contra os protozoários, como a metronidazol (Flagil), também são apresentadas com os antibióticos, mas não são exatamente iguais a eles.


JESSICA MATTHEWS se interessou por medicina quando era muito jovem, e alimen­tou seu interesse com histórias médicas e séries de TV baseadas na rotina dos hospitais. Depois de uma pequena experiência como doceira na ado­lescência, acabou desenvolvendo a carreira de téc­nica clínica de laboratório. Quando não está es­crevendo ou trabalhando, preenche seu dia com a família e aulas para a comunidade. Jessica vive na região central dos Estados Unidos, com seu marido e um casal de filhos.